Obras de ficção e as fake news que as rodeiam

imagem BBC

Por Lázaro Gorini

Em plena modernidade do século XXI vivemos uma situação ímpar: o surgimento de uma nova onda de pensamento onde obras de ficção são propaladas como se fossem relatos de fatos reais. Esse pensamento nos remete ao período pré-renascentista, sendo mais específico, o período conhecido como Alta Idade Média onde os livros eram cercados por uma alta seriedade levando a crer que letravam somente verdades absolutas.

Nesse período, pessoas comuns, de maioria esmagadora analfabeta, não tinham contato direto com obras literárias. O contato com tais obras se davam nas igrejas onde o Bíblia era lida por um padre que passava a sua interpretação como se fosse verdade absoluta.
Nesse sentido, já no período do Renascimento, mais e mais pessoas começavam a dominar a leitura e, juntamente com o advento da prensa de Gutenberg, começaram a ter maior contato com as obras literárias.

No entanto, esse movimento começa a incomodar os detentores do poder que viam na difusão
da cultura uma séria ameaça, o que acarretou na classificação de muitas obras como difusoras de
blasfêmias sendo incluídas no Index Librorum Prohibitorum da Igreja Católica.

O início do que hoje conhecemos como ficção se dá no momento em que a sociedade parou de
contar histórias, passando a escrevê-las, segundo o jovem autor americano John Green. “A ficção é vista como importante pela maioria dos estudiosos simplesmente pelo fato de ser tão distante da realidade.

Dessa forma, fica claro que a ficção pode ser encarada como uma forma de escape rotineiro da realidade, podendo levar o leitor a mundos impossíveis”. O autor americano Edgar Lawrence exemplifica: “Você vai experimentar o amor, se assim o desejar, ou fome, ou se afogar, ou cair através do espaço ou segurar uma pistola quente em sua mão com a polícia batendo na porta”, se referindo aos diferentes cenários não usuais que uma pessoa experimenta ao se imergir na ficção.

Atualmente é simples distanciar a ficção da realidade, estamos perfeitamente conscientes de que
ficção é baseada fundamentalmente na imaginação. Sabemos muito bem que personagens como Dom Quixote de la Mancha e Capitão Nemo não são reais.

No entanto, se esses livros fossem publicados na Idade Média, seus leitores teriam pensado que as histórias sobre esses personagens eram reais, simplesmente pelo fato de que haviam livros sobre eles. Ao que tudo indica, estamos ressuscitando esse pensamento com obras de ficção criadas nos últimos anos tais como Código Da Vinci e a centenária teoria da Terra Plana.

Essas obras acabaram reunindo uma legião de sectários que as defende como sendo propaladoras de “Verdades Absolutas”, mesmo diante de exaustivos estudos e tratados científicos que as
colocam na condição de fruto da brilhante imaginação de seus autores. A polêmica criada em torno da obra Código Da Vince foi tamanha que chega a causar estranheza que até o presente momento nenhuma pessoa munida de uma picareta tenha tentado escavar o museu do Louvre em busca do Corpo de Maria Madalena.
Discussões sobre notícias falsas, comumente chamadas de “Fake News”, têm ocupado lugar de
destaque na mídia quando as mesmas atacam pessoas de destaque ou anônimas, instituições e empresas.
No entanto, movimentos que colocam obras de ficção como se fossem verdadeiras não seriam uma propagação de “Fake News”? Não poderia ser esse mais um texto fictício tentando passar-se por realidade?

Pelo sim, pelo não, seria de bom senso tentar filtrar ao máximo as notícias que chegam até nós,
principalmente devido ao período de conturbação política em que nos encontramos.

Lázaro Gorini, professor

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