Vamos vencer a batalha? Depende.
Por Guadêncio Torquato
Deu a louca no presidente Jair Bolsonaro. A entrevista coletiva para a qual convocou 9 ministros nada mais foi do que uma de suas tentativas para transmitir a ideia de que o país tem piloto, que não está a deriva, e é ele quem manda em matéria de ataque ao Covid-19, e não o ministro da Saúde, Luiz Mandetta. Foram hilariantes as cenas da máscara, que sempre escapulia das orelhas quando Sua Excelência tentava recolocá-las depois de tirá-las para falar. Contrariou as indicações médicas para sua manipulação. O que revela apenas a intenção de convencer plateias de que é uma pessoa prevenida.
As revelações dos ministros, fora uma ou outra informação do ministro Paulo Guedes, planaram sobre as nuvens das generalidades. O evento, enfim, foi uma peça circense mal ensaiada. Uma pantomima. E não contribuiu para a maré de improvisação que assola pedaços do território, às voltas com carência de equipamentos essenciais para enfrentamento do coronavírus. Merece consideração o esforço do ministro Mandetta para pôr em ordem a estrutura da saúde, mas o porte do país e a agilidade como o vírus se propaga atrapalham a eficácia das ações.
A mensagem desesperadora de uma brasileira chegando no aeroporto de Guarulhos, vinda de Verona, resume a situação: “guarda, acabo de chegar da Itália, país que é o centro da epidemia na Europa e vocês nem medem nossa temperatura”? “Não, senhora, não temos equipamento para fazer isso”. Projeções de consultorias apontam que o Brasil, logo, logo, chegará aos 20 mil contaminados. Meados de abril.
Temos de considerar, para efeito de combate à pandemia, a precária situação das margens sociais, cercadas de carências: saneamento básico, proximidade de barracos e favelas, transportes abarrotados, estabelecimentos hospitalares sem equipamentos e condições de atendimento às demandas, entre outros fatores. Mas a questão de fundo, a permear a boa ou a má aplicação das orientações, é o ethos nacional, a maneira de ser, pensar e agir do brasileiro.
Por nossas plagas grassa a desconfiança, estiola-se a crença nas autoridades, quebram-se a todo o momento os elos da cadeia normativa. “É para fazer isso conforme prescreve a lei?” Mesmo tendo um olho no malfeito, o transgressor não quer saber. Pratica o que acha mais conveniente. E o bom senso não é respeitado? Apenas quando não fere o que a pessoa acha seu direito. Por isso mesmo, o advérbio talvez é mais apreciado do que a certeza impressa na cultura anglo saxã: sim, sim ou não, não. (Experimente perguntar a um brasileiro quantas horas trabalha por semana. Resposta tende a ser: “trabalho mais ou menos 40 horas”).
Em suma, há um mais ou menos induzindo a execução das orientações dadas para combate ao coronavírus. A margem de manobra exibe uma curva entre 30% a 50% ao que deve ser feito de acordo com as recomendações. Ora, se o presidente da República, no mais alto pedestal das autoridades do país, é o primeiro a descumprir regras, por que eu, simples cidadão, devo ser reto como uma régua? Esse argumento circula no sistema cognitivo nacional. (Lembrando: Bolsonaro se referiu ao coronavírus como “histeria”, “exagero da mídia”, “fantasia” e enxergou até uma luta clandestina de grupos que querem desestabilizar seu governo).
Dessa forma, a flexibilidade, nata no ethos nacional, como podemos ler em grandes autores, como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, poderá ser um empecilho para o governo Jair Bolsonaro chegar a bom termo. As relações com o Congresso continuam tensas e não há no horizonte sinais de melhora. O entorno presidencial foi acometido da doença da onisciência que baixa nas cortes. Tudo que emana do pensamento do soberano vem adornado com o véu divino. Não pode ser contestado.
Pergunta de pé de página: “mas o Brasil poderá ser eficaz no combate ao coronavírus, mesmo sob o estardalhaço da linguagem bolsonariana?” Resposta: a depender do grau de conscientização da população. Para tanto, devemos nos livrar do enquadramento a que fomos jogados na moldura dos quatro tipos de sociedade no mundo: o primeiro é a sociedade inglesa, onde tudo é permitido, salvo o que for proibido; o segundo é a sociedade alemã, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; o terceiro é a totalitária, ditatorial, onde tudo é proibido, mesmo o que for permitido; e o quarto tipo é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que for proibido.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
E as imbecilidades proferidas pelo capitãozinho presidente no programa do Ratinho? E as aberrações afirmadas pelo “especialista” em coronavírus instalado no Palácio do Planalto ontem (domingo) à noite na TV Record durante torturantes minutos? Bolsonaro deveria ser proibido de tratar do assunto pandemia do coronavírus, aliás, deveria ser proibido de se manifestar publicamente já que suas manifestações não ajudam em nada no controle da doença no país, muitíssimo ao contrário. Pede pra sair, capitão!