Bom dia Bosque!

Por Mário César Carvalho

Ontem estava uma tarde quente e eu não sei porque resolvi olhar para você. Fazia tempo que eu não olhava. Volta e meia atravessava por você, ou passava nas ruas à sua volta, mas, apressado com a vida, confesso que nem te reparava.

Senti uma leve brisa no rosto e olhei para cima e vi que ela balançava as folhas mais altas das tuas árvores. No contraste do teu verde com o azul do céu percebi que você já não é mais o mesmo. Sim, ainda mantém a sua beleza, mas já não tem mais a mesma exuberância. A cobertura da sua copa, assim como no chão onde estão tuas raízes, tudo está ficando ralo. Bom, também, desde que nasceu, em 1930, você convive com uma cidade que não para, que não descansa e que segue em frente como um trem que puxa a carga do desenvolvimento com a força de seu povo.

E você sempre acompanhou essa cidade não é Bosque? Você viu ela crescer à sua volta e nunca recusou os encargos que ela te deu. Você foi viveiro de plantas, parque infantil, praça de jogos, banheiro, espaço de eventos políticos, terminal de ônibus e nunca recusou nada, mesmo que algumas das coisas que te impuseram tivessem colocado em risco a sua própria existência.

Me lembro que você foi casa dos macaquinhos, que depois de um tempo se rebelaram e tomaram conta de você, atacando os humanos que se arriscavam por entre a sua vegetação. Ah, se os macaquinhos tivessem vencido essa batalha, tenho certeza você estaria melhor, menos judiado. Mas, eles perderam e foram exilados para outro bosque onde continuam roubando sacolas e mordendo aqueles que os venceram.

Ah, tinha as galinhas também que ciscavam por entre as tuas árvores. Havia várias delas. Um dia, de repente elas já não estavam mais lá. Não sei, mas acho que foram embora junto com os macaquinhos.

Sabe Bosque, me lembro que você acolheu durante anos os lambe-lambe que, com suas cabeças enfiadas dentro de um escuro pano grosso, registravam milhares de rostos 3×4 que eram usados em todo tipo de documentos. Meia dúzia ou doze? Quando era uma dúzia rendia, gratuitamente, um monóculo colorido, de plástico, que fazia com que o presenteado sentisse que sua imagem estava reproduzida na tela do cine Augustus, em plena matinê de domingo.

Me lembro que nos caminhos no meio de suas árvores, tinha também os carrinhos de sorvete com rodas de bicicleta, que com suas invariáveis cornetas, ofereciam sorvetes Esquimo e picolés de groselha que deixavam a língua das crianças vermelhas como o céu do perobal no final das tardes.

Teve um tempo em que você foi obrigado a receber o Terminal de Ônibus Urbano por onde parece que passavam todos os habitantes da cidade e todos os estudantes pobres da UEL. Estudantes esses que, nas suas intermináveis idas e vindas diárias rumo ao diploma, aprenderam com louvor como se sentiam as sardinhas enlatadas. Eles sobreviveram bravamente a esse tempo e você também sobreviveu Bosque.

Um dia, os ônibus, os passageiros e os estudantes também foram embora. Acho que nem se despediram. Depois disso você meio que ficou esquecido. Menos pelos amantes que aproveitavam do seu abandono para se amarem. Menos por aqueles que se esgueiravam pelas sombras da sua vegetação para tirarem, à força, dos menos avisados, aquilo que quisessem. Mas aí vieram os pombos. Eles acharam em você o lar ideal. Pombos muito valentes esses, porque chegaram, se instalaram e resolveram nunca mais sair de você. Bem que andaram tentando, mas diferente dos macaquinhos e das galinhas, os pombos venceram.

Sei lá porque, um dia resolveram te cercar sem pensar que te cercando, iriam esconder a tua beleza de nós. Aquela feia barreira que colocaram em volta de você acabou nos afastando do teu convívio. Você passou a ser alguma coisa do tipo que estava ali, mas não fazia parte da cidade. Não sei se esse tempo de isolamento te ajudou a revigorar as forças, mas nós ficamos um pouco mais tristes com você tão perto e tão longe de nós.

Ah, mas um dia alguém que já não aguentava mais de saudades de você resolveu tirar as cercas e te devolver você para nós. Que alegria! Limparam, recuperaram, iluminaram! Agora podemos entrar novamente nos teus domínios por qualquer lado. Podemos passear entre tuas árvores, teus caminhos e sentir o teu cheiro. Até os macaquinhos parece que estão voltando. Só que hoje eles são comportados. Já as pombas continuam lutando com “armas” que possuem para manter o território que elas conquistaram.

Voltaram os jogadores de cacheta, os adeptos das caminhadas, os skatistas, os idosos, jogadores de futebol, pais com crianças e passantes de todo tipo. Mas, os lambe-lambe não voltaram, nem os sorveteiros, nem os quiosques de suco e paçoquinha.

Senti você um pouco triste Bosque, um tanto cansado. Parece que se desencantou de tudo. Olhei para você, andei um pouco entre suas árvores…….me deu vontade de chorar!

Mário César Carvalho  é advogado e cronista

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2 Comments

  1. Rebecca

    Enquanto eu lia me senti dentro do bosque, vendo tudo que era narrado… até aquilo que, por questão de idade, não presenciei, como os ônibus, as galinhas e os lambe-lambe.

    Belo texto!

  2. FRANCISCO ROBERTO

    A crônica do Dr; Mário me fez relembrar cada fato narrado, pois vive todos eles. Parabéns.

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