Diogo Silva: O que é racismo?

Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Por Diogo Silva/do UOL

Pedagogicamente é um ato de violência que coloca um grupo étnico superior a outro pela cor de sua pele, suas crenças e sua cultura. A crença de superioridade é construída pela cultura e pela religião que distingue um povo do outro. A escolha da Europa como padrão social, cultural, religioso e econômico para o mundo, tal escolha feita por eles mesmos, faz que todos os povos e culturas do mundo que não estejam dentro desse padrão sejam inferiores. Sendo inferior você está abaixo, estando abaixo, automaticamente, não considero você mais humano. A ofensa mais popular no Brasil à população negra é macaco. Eu escuto desde a infância. Escutamos em coro muitas vezes nas arenas de futebol.

A filha adotiva do ator Bruno Gagliasso, de origem africana, ainda bebê, já foi colocada dessa forma. Transformar um humano em um animal no subconsciente é colocar essa pessoa em um lugar em que ela pode ser maltratada porque está abaixo. Essa é uma lógica da cadeia humana branca que considera animais, florestas, rios e mares seres inferiores a ele. Por isso, quando querem, eles matam. RELACIONADAS “Nos EUA, o pai é preto, a mãe é preta e você é isso. E aqui, o que é?” Jefferson relembra racismo na seleção: “Não podia convocar goleiro negro” Campeão mundial, ídolo do Flamengo não tem dinheiro para comprar remédios A África foi invadida pelos portugueses em 1444 , começando pela ilha de Cabo Verde. Seguindo essa lógica, na conferência de Berlim de 1884, a Europa decide partilhar a África e dar início ao seu projeto de colonização. Os africanos eram pacíficos em partes, mas passivos, não. Nessa época já existia o Império Oyo, na Nigéria. Parte desse povo vive no Brasil e mantém as culturas afro-brasileiras na língua yoruba. Existiam também os povos da costa do ouro, em Gana e Mali, o reino de Shaka Zulu, na África do Sul, o império Etíope da linhagem de Haile Selasie, Deus para os Rastafáris na Jamaica, por exemplo.

Você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com os assassinatos de João Pedro, no Rio de Janeiro, um jovem negro de 14 anos morto pela polícia dentro de casa, e George Floyd, de 46 anos, nos Estados Unidos, sufocado até a morte, que desencadearam uma onda de manifestações nas Américas? Historicamente, quem invadiu o Brasil foi Portugal. Quem invadiu parte da América Central foram os espanhóis e os responsáveis por isso nos estados unidos foram os britânicos, os maiores piratas do mundo. Essa invasão, que nos livros didáticos é colocado como colonização, inicia uma sucessão de assassinatos.

O Brasil já estava habitado, assim como as outras Américas. Esse nativo é considerado inferior por suas crenças e cultura. Dessa forma, está abaixo. O africano é trazido para as Américas no maior fluxo de deslocamento forçado já visto na história da humanidade, conhecido como escravidão. Nesse texto, estou colocando historicamente a origem do ódio do branco europeu. Ele não odeia só a sua pessoa. Ele odeia sua crença, sua cultura, seus hábitos, como você come, sua língua e sua cor, porque você está fora do padrão ocidental. Esse mesmo padrão colocado por Hitler na Alemanha.

Você deve estar dizendo: mas eu não sou europeu. Será que não? Para os padrões britânicos, de fato você não é. Mas para os padrões sul-americanos, acredito que sim. Italianos, portugueses, alemães, poloneses e espanhóis fazem parte da base cultural europeia-brasileira. Existem mais de 30 milhões de imigrantes italianos no Brasil. É mais de 15% da população. Desde sua chegada, em 1870 para substituir a população africana (que é 50% da população brasileira) no campo de trabalho, passaram-se 150 anos. Estamos falando em seis gerações. Em seis gerações, a primeira pessoa a ser alfabetizada em minha família foi meu avô, que hoje tem 81 anos.

Ele nasceu na fazenda, em Minas Gerais, assim como seu pai, o pai do seu pai, o pai do pai dele até 1888, data da abolição da escravatura no Brasil. Nessas seis gerações, as três primeiras não podiam estudar e nem ter direito a terra. Bom, se esse povo africano não pode estudar, não pode ter terra, não é pago pelo serviço prestado, não é herdeiro, não tem o direito de ir e vir e agora está livre (mais ou menos), quem eles se tornariam?

Como diz o escritor do Auto da Compadecida, Ariano Suassuna, ao redor do buraco tudo é beira. Eles foram viver nas beiras, às margens, nascendo o termo marginal. Então, marginal é todo povo descendente de africano, que criam as primeiras favelas para viverem. Favela é o maior desequilíbrio social e geopolítico brasileiro, mas é nela que nasce o primeiro território urbano preto e que luta para se reinventar e ser aceito, segundo Milton Santos, a maior referência da geografia negra brasileira, A polícia é criação do homem branco, assim como as cadeias, a corte de justiça, o legislativo, o administrativo, o direito, a advocacia, entre outros. Eu, sendo o criador das leis, serei condenado por ela?

A polícia foi criada para proteger as propriedades, não as pessoas. E os donos das propriedades são descendentes de europeu. Quem vive à margem é descendente de africano. Seus hábitos e cultura não são aceitos. Dessa forma, você está abaixo. Sendo assim, quando quiserem, sente-se no direito de matar. Embasado na história mundial e brasileira, posso afirmar que os assassinatos de João Pedro e George Floyd é fruto da não aceitação de seus hábitos e culturas como pessoas pretas, considerados pelos brancos seres inferiores, geograficamente, politicamente e financeiramente. Portanto, sentem-se no direito de matar. Nós, afro-brasileiros, precisamos parar de tentar ser aceitos e criar a nossa própria educação afro-centrada, contando nossas histórias valorizando nossa cultura, nossos heróis, criando partidos políticos e desenvolvendo nossas habilidades criativas.

Ressignificar termos pejorativos, como denegrir, mercado negro, mulata, “a coisa ta preta”, entre outros. Valorizar seu cabelo crespo e não a padronização da publicidade eurocêntrica brasileira. Valorizando a cor de sua pele como algo especial e ancestral. Não aceitar ser chamado de mestiço, pardo, mulato, marronzinho ou qualquer besteira dessas para não nos tornarmos pretos. O atleta brasileiro, especificamente o jogador de futebol, é do grupo étnico preto que mais alcançou poder aquisitivo.

Neymar, por exemplo, recebe 36,8 milhões de euros por ano jogando no Paris St-Germain. Ronaldinho Gaúcho tem patrimônio de R$ 253 milhões. Ronaldo Fenômeno tem patrimônio de aproximadamente de R$ 1 bilhão. Pelé é a maior estrela viva até hoje do esporte mundial.

A pergunta é: por que eles se calam? Por que eles não financiam programas de desenvolvimento específicos para a população negra? Primeiro, precisamos entender que ser famoso não é ser inteligente ou ter embasamento político. As mesmas falhas educacionais que você teve, eles também tiveram.

Segundo, eles foram criados dentro do mito da miscigenação que tem Monteiro Lobato como fenômeno de publicidade.  Ser miscigenado tira sua origem, que é preta. Não acreditando ser preto, você não cria empatia pelos seus. Terceiro, o Brasil é violento. Nós temos um governo fascista nesse momento que estimula a morte. Em apenas um ano e seis meses do governo atual, tivemos: 1863 assassinatos em conflitos no campo, um aumento de 23%; 1814 mortes em áreas urbanas como favelas e periferias. A violência também está nos clubes de futebol. O jogador está na ponta da atuação no campo, mas toda gestão é feita por homens brancos, diretores, coordenadores, empresários, presidentes e donos.

Esses, a qualquer ato político ou posicionamento dos jogadores, pressionam seus empregados. Assim como eu também fui pressionando durante minha carreira. Essas pessoas cortam seu salário, não renovam seu contrato, começam as perseguições políticas.

Agora me diga: há justiça para os injustiçados? Alguém vai pagar os custos com advogados? Vai reembolsar os contratos não assinados, as competições perdidas? Temos o caso emblemático do jogador de futebol americano Colin Kaepernick, que iniciou os protestos na NFL ajoelhando-se durante o hino nacional. Ele não teve seu contrato renovado e está, até hoje, sem um time para jogar. O que aconteceu com os agressores de Tinga, Grafite, Taison, Daniel Alves e Roberto Carlos, entre os mais de mil casos de ataques racistas no futebol em nossa história?

Se temos seis gerações à beira, não é o futebol que irá fazê-los tomarem o centro em apenas um século.

E, agora, a pergunta fundamental nisso tudo: por que a população negra, que é a vítima, é questionada por seu silenciamento? Enquanto a população branca, que é a agressora, não é questionada por sua agressão?

Nesse momento:

  • 1837 – Primeira lei de educação: negros não podem ir à escola.
  • 1850 – Lei das terras: negros não podem ser proprietários.
  • 1871 – Lei do Ventre Livre: quem nascia livre?
  • 1885 – Lei do Sexagenário: quem sobrevivia para ficar livre?
  • 1888 – Abolição: atentem, foram 388 anos de escravidão.
  • 1890 – Lei dos vadios e capoeiras: os que perambulavam pelas ruas, sem trabalho ou residência comprovada, iriam para a cadeia. Eram mesmo livres? Dá para imaginar qual era a cor da população carcerária daquela época? Você sabe a cor predominante dos presídios hoje?
  • 1968 – Lei do Boi: Primeira lei de cotas! Não, não foi para negros, foi para filhos de donos de terras que conseguiram vaga nas escolas técnicas e nas universidades (volte e releia sobre a lei de 1850).
  • 1988 – Nasce nossa Constituição atual: foram necessários 488 anos para ter uma constituição que dissesse que racismo é crime! Na maioria das ocorrências, minimiza o racismo enquanto injúria racial. E nada acontece.
  • 2001 – Conferência de Durban: o Estado reconhece que terá que fazer políticas de reparação e ações afirmativas.
  • 2003 – Lei 10639: estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
  • 2009 – Primeira Política de Saúde da População Negra: que segue sendo negligenciada e violentada (quem são as maiores vítimas da violência obstétrica?) no sistema de saúde.
  • 2010 – Lei 12288 – Estatuto da Igualdade Racial: em um país que se nega a reconhecer a existência do racismo.
  • 2012 – Lei 12711 – Cotas nas universidades: a revolta da casa grande sob um falso pretexto meritocrata.
Compartilhe
Leia Também
Comente

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Buscar
Anúncios
Paçocast
Anúncios