Lula solto perde o prestigio que o Lula preso ainda tinha

da Veja

Durante os 580 dias em que ficou preso, Lula exerceu com maestria o papel de mártir. Condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-­presidente conseguiu difundir com relativo sucesso, principalmente no exterior, o mantra de que era um preso político, uma espécie de herói que estava pagando com a própria liberdade o preço por ter assumido a defesa dos pobres durante seu governo.

Nada disso é verdade, como se sabe. Lula foi parar na cadeia por se beneficiar pessoalmente de um gigantesco esquema de corrupção montado e administrado por seus companheiros de partido durante as administrações petistas. Motivada por um apelo emocional, a campanha “Lula Livre” manteve o ex-presidente em evidência e servia de slogan para uma esquerda bastante castigada. Mesmo na condição de presidiário e inelegível, o plano do PT era conservá-lo no domínio do partido e aproveitar sua popularidade para continuar liderando a oposição. Quando deixasse a cela da superintendência da Polícia Federal em Curitiba, viria o ápice: Lula sairia carregado nos braços do povo e comandaria a oposição de volta ao palco das grandes discussões nacionais. Como se sabe, nada disso aconteceu.

Na verdade, o fenômeno ocorreu na direção contrária. Lula hoje é um exemplo de como o poder pode ser, ao mesmo tempo, inebriante, efêmero e devastador. O petista deixou o Planalto como o presidente mais popular da história. Agora vê sua influência política e eleitoral evaporar. De acordo com uma pesquisa que circula dentro do próprio PT, seu líder enfrenta uma crescente rejeição desde que saiu da cadeia, em novembro do ano passado. O levantamento revelou que, entre dezembro e abril, a avaliação negativa sobre os seus dois mandatos aumentou em dez pontos, passando de 14% para 24%. Já a avaliação positiva caiu de 58% para 53% nesse mesmo período. “O Lula tinha mais holofote e importância quando estava preso”, admite um petista. Segundo ele, enquanto o ex-presidente cumpria sua pena, os militantes ao menos tinham alguma pauta conjunta e agiam de maneira uniforme. Sua libertação trouxe de volta o caudilhismo e a fragmentação interna.

Uma ala do PT anda bastante irritada com as sucessivas ingerências de Lula e a relutância dele em provocar uma oxigenação interna, barrando a chegada de quadros novos para o comando da legenda. “Ele não nos dá o direito de errar” é uma frase comumente repetida nos bastidores e ilustra como as decisões partidárias têm obrigatoriamente de passar por seu crivo. Com o descontentamento interno crescendo, Lula tem procurado apoio externo para mostrar que ainda é o único nome da esquerda capaz de arregimentar apoio entre os eleitores. No fim de abril, para tentar sintonizar-se com protestos e panelaços que começam a demonstrar insatisfação com o atual governo, o ex-presidente passou a defender o impeachment de Jair Bolsonaro. “Acho que a sociedade está percebendo que o Bolsonaro não tem condições de continuar governando. O Brasil não pode suportar três meses com a anarquia que nós estamos vivendo hoje. O Brasil está desgovernado”, disse Lula na última semana. O impacto de tal declaração? Zero.
ABASTANÇA - Lulinha: pai teme que o filho milionário tenha o mesmo destino Danilo M. Yoshioka/Futura Press

Se a frente política tem lhe rendido dissabores, a batalha jurídica deixa o ex-presidente absolutamente apavorado. Além de não querer voltar para a cadeia de jeito nenhum, Lula revela pavor especial de ver seu filho Fábio Luís Lula da Silva seguir o mesmo destino. Em dezembro último, um mês após a soltura do pai, a Lava-­Jato deflagrou uma operação contra Lulinha, como é conhecido, para apurar como o ex-monitor do Zoológico de São Paulo se tornou sócio de uma empresa da telefonia Oi e ficou milionário. Recentemente, Lula também foi condenado em segunda instância no processo do sítio de Atibaia, o que dificulta ainda mais sua narrativa de que a condenação anterior, a do tríplex do Guarujá, não passou de uma perseguição do ex-juiz Sergio Moro.

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6 Comments

  1. Anubian

    Na verdade “nos braços do povo” ele já não andava há um bom tempo… mesmo antes dos dias em que a possibilidade de sua prisão vinha tomando forma, era notório como ele já não saía mais em público. Sua interação com o “povo” era sempre a mesma claque… quando saía alguma notícia muito desfavorável a ele na mídia, logo em seguida aparecia uma claque de militantes pra ir onde ele estava morando pra declarar apoio a ele. Suas aparições eram sempre em ambientes totalmente controlados, ele não simplesmente ia a algum lugar pra fazer um discurso e as pessoas locais iam atrás dele, quando ele ia a algum lugar, ele levava toda uma estrutura pra montar um palanque… e levava uma platéia junto. A tal “caravana”.

    Ele chegava no local, sua equipe montava o palanque, e na hora marcada, eram todos em suas posições: o Lula e seus assistentes de partido/coligação no palanque, os militantes saíam dos ônibus e hotéis pra formar a platéia, ele fazia seus discursos (muitos deles com algumas declarações bem absurdas), a platéia aplaudia, rezava o cântico do “olê, olê olê olá, Lula, Lula”, os fotógrafos tiravam os retratos nos ângulos profissionalmente escolhidos… e então desmontavam a estrutura, todo mundo voltava pro ônibus, e seguiam para o próximo destino, deixando pra trás o registro de que “o povo da cidade X o recebeu de coração e braços abertos”.

    Quando a situação não estava totalmente sob seu controle, acontece o que aconteceu em São Miguel do Oeste. Uma chuva de ovos e pedras vinda de pessoas atrás do espaço reservado da platéia, seus guarda-costas com guarda chuvas, e ele espumando de raiva dizendo que em vez de jogarem ovos aquelas pessoas deveriam estar lá lavando seus pés.

    Mas a mídia tem deixado ele no vácuo desde que ele saiu da prisão não porque eles não queiram colocar os holofotes de volta sobre ele e coletar as mais diversas declarações anti-Bolsonaro, mas sim porque perceberam que quando colocam o Lula no centro das notícias, a militância pró-Bolsonaro toma fôlego também. Então eles deixam ele lá quieto com suas tramóias.

  2. Devil

    Que interessante! Como pode um ex-presidente com tão pouco prestígio merecer artigo e comentário com tantos parágrafos? Imagine se Lula ainda tivesse tanto prestígio como Bolsonaro, Beto Richa, Moro, Aécio Neves, Luciano Huck, Veio da Havan, Temer, FHC…

    1. Anubian

      Ninguém nega que ele é importante. Afinal, ele ditou os rumos da política nacional por mais de uma década e chefiou o maior esquema de corrupção da história do país, e isso é digno de análises profundas, que renderão uma boa produção bibliográfica. Apesar disso, ser importante não é sinônimo de ter prestígio. Se ele não fosse um criminoso, e ainda tivesse o prestígio dos anos 2000, ele não estaria preso. E se estivesse preso injustamente, certamente seus advogados poderiam fazer melhor do que mandar cartinhas escrito “não vale porque o Moro não vai com a minha cara”, e não precisaria contar com manobras espúrias como aquela em que entrou com um recurso no minuto em que o Rogério Favreto, aquele desembargador que já foi filiado ao PT, assumiu o plantão, e instantes depois mandou soltar o Lula e o PT já estava em peso na porta da cadeia exigindo que o bandido fosse solto.

      Mas tenho que concordar quando você cita o Fernando Henrique. Outro exemplar que gozou de grande prestígio e que hoje é uma sombra do que já foi… a postura do PSDB nas eleições de 2018 foi desastrosa e custou caríssimo ao partido, mas o vídeo do digníssimo votando no Haddad durante o segundo turno foi a pá de cal. O PSDB se valia quase que exclusivamente de encarnar o anti-petismo, e sem isso, seu capital político desvalorizou magistralmente.

  3. Satanás

    No ano passado, tive um professor de cursinho que, de vez em quanto, falava: – Tramoia perdeu o acento em 2009. Porra! Nós estamos em 2019! Quá! Quá! Quá!

  4. SERGIO SILVESTRE

    Conhecendo as milicias do Bolsonaro,com suas reses espumando,eles onde o Lula oou Dilma estiver,o careca da Havan vai financiar uma claque para jogar ovos e até incendiar bandeiras vermelhas.Se esquecem que o Brasil Mudou?Mudou pra muito pior,mas vamos deixar o Lula quieto,gastando os 256 milhões da Dona Mariza,andar com sua Ferrari de ouro e sobrevoar suas infinitas fazendas e seus incontáveis bois.,não é isso que 80% dos londrinenses acreditam,como também acreditam que os feijões do Valdomiro e a cloroquina do Bozo destroem o vírus Corona.

  5. Anubian

    Em tempo… creio que infelizmente, não viveremos pra vê-lo ter o destino que merece. Com nossa justiça, não existe a menor possibilidade dele receber uma punição que faça jus ao que ele fez com o Brasil. Mas ainda há um mínimo de esperança.

    A menos que seus advogados muitíssimo bem remunerados consigam o milagre de reverter todas as suas condenações – o que ficou mais difícil com a saída de Moro do governo, afinal a partir do momento que ele saiu, a narrativa de que ele fez isso apenas pra subir ao poder de carona com o Bolsonaro perdeu muita força. E essa é a única alegação que a defesa de Lula faz em todos os seus infinitos recursos: que o julgamento não valeu porque o juiz não gostava dele. Nenhum recurso questiona as provas, nenhum recurso questiona a autenticidade dos bilhões que foram recuperados. É só esperneio.
    E com as condenações de pé, ele não poderá se candidatar nas próximas eleições. Sim, vamos ter de novo o PT protocolando ele como o candidato oficial pra no fim do prazo, apontarem o novo fantoche dele. Mas mesmo na pior das hipóteses, ele não vestirá a faixa presidencial.
    E considerando que nas próximas eleições ele já terá 77 anos, é muito improvável que ele vá se candidatar novamente, mesmo que em 2026 ele esteja apto a concorrer, ele já terá 81 anos. E é muito difícil que ele consiga se manter relevante e saudável até então.

    E sim… é possível que em 2022 ele consiga ter um fantoche no poder. Ou, ruim, mas menos grave, nosso próximo presidente seja de algum partido de esquerda, o que garante que o PT continuará ser parte do poder. Mas tudo indica que Lula jamais volte a ser o protagonista, que ele volte a definir os rumos da política nacional… e que ele volte a sentir o gosto da glória. Talvez ele ainda sinta um resquício do gosto do poder, mas o tal 80%? Nunca mais.

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