Relatório da Comissão Especial dos Transportes Coletivos aponta diversas irregularidades em Londrina
Vereadores cobram plano de ação para concessionárias executarem medidas contratuais que não estão sendo cumpridas
Após exatos 11 meses de funcionamento, a Comissão Especial (CE) dos Transportes Públicos da Câmara Municipal de Londrina (CML) entregou, na sessão desta quinta-feira (2), o relatório final dos trabalhos. A CE foi criada em 2 julho de 2021 com o objetivo de analisar os contratos entre a Prefeitura e as duas operadoras de ônibus urbanos da cidade, além de verificar os motivos das constantes paralisações dos motoristas do transporte público, que no ano passado cruzaram os braços por falta de pagamento dos salários e de benefícios.
Elaborado pela vereadora Jessicão (PP), relatora da CE, o documento de 127 páginas conclui que as concessionárias do transporte coletivo têm descumprido uma série de obrigações contratuais e indica a elaboração de um plano de ação para o início da execução das medidas (leia aqui o relatório na íntegra).
Os contratos celebrados com as empresas em 2019 e os aditivos, assim como as informações prestadas pelo Município a pedido da comissão, foram analisados pela Assessoria Jurídica e pela Controladoria da Câmara, cujos pareceres que embasaram a elaboração do relatório final da CE.
Conclusões
A comissão aponta a ausência de dados que permitam a apuração precisa dos valores necessários para restabelecer o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em relação a 2020, quando houve perda de passageiros devido à pandemia de covid-19. Em 2021, o município repassou cerca de R$ 20 milhões às duas concessionárias, por meio de aditivos contratuais, para compensar a diminuição no fluxo de usuários.
O grupo também conclui que não foram implantados mecanismos para quantificar o número de passageiros isentos. Desta forma, conforme o relatório, não há como verificar o valor exato do subsídio necessário ao sistema de transporte público em 2022, conforme previsto na lei municipal nº 13.340, de 8 de janeiro de 2022. A lei, de autoria do Executivo, autorizou o Município a repassar valores às empresas para custear gratuidades, como a dos idosos, e cobrir eventual diferença para o custeio do serviço de transporte público.
O relatório da CE demonstra ainda a inobservância de obrigações contratuais, como falta de repasse à administração municipal de outorga onerosa, desequilíbrio nos contratos de exploração publicitária nos ônibus, ausência de retorno de linhas extintas ou suspensas durante a pandemia de covid-19, falta de renovação da frota após 10 anos de uso, inexistência de rede wi-fi nos terminais e na totalidade dos coletivos, não instalação de Sistema de Inteligência de Transporte (Solução ITS) e falhas nas escalas de vigilância nos terminais de integração.
Encaminhamentos
A CE indica à Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU), órgão gestor e fiscalizador do serviço, que elabore um plano de ação para que as medidas contratuais que não estão sendo respeitadas pelas concessionárias passem a ser executadas, com prazos determinados. Os vereadores solicitam ainda encaminhamento do relatório ao Ministério Público Estadual, para que tome ciência de supostas “irregularidades existentes na utilização de recurso público” e ao Ministério Público do Trabalho para que tome as medidas cabíveis em relação a descumprimentos de obrigações trabalhistas e paralisações dos funcionários do transporte coletivo.
Os parlamentares da comissão também recomendam a abertura de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) na Câmara de Londrina, com poder de investigação, para realizar uma auditoria fiscal no serviço de transporte público “a fim de averiguar todas e quaisquer irregularidades fiscais”. O documento também solicita o afastamento imediato do diretor de Transportes da CMTU pela ausência de informações sobre o número de passageiros isentos, único encaminhamento proposto pela relatoria em que não houve consenso entre os integrantes da CEI.
“A gente nem precisaria explanar sobre isso em uma comissão especial se a CMTU estivesse cumprindo o papel principal dela, de fiscalização. Ônibus com mais de 10 anos não poderiam estar circulando, ônibus com 9 anos já deveriam levar a notificação, com apresentação do plano de compra. […] Os principais erros são a falta de segurança nos terminais, a falta de zelo com os ônibus que já atingiram 10 anos, porque isso coloca em risco a vida dos munícipes, e a falta de arrecadação com a outorga onerosa”, afirmou Jessicão (PP) em entrevista coletiva dada à imprensa após a apresentação do relatório final.
Segundo ela, uma Comissão Especial de Inquérito permitiria o aprofundamento das análises, uma vez que as respostas oficiais recebidas foram insuficientes. “O mais problemático foram as respostas aos pedidos de informação, que foram extremamente rasas, sem explicações pontuais de gastos. Até por isso sugerimos a abertura de uma Comissão Especial de Inquérito, para que a gente possa levantar, por meio de uma auditoria fiscal à parte, a exatidão dos números”, disse.
O relatório final é assinado pelos vereadores Jessicão (PP), relatora da CE; Mara Boca Aberta (Pros), presidente da CE; e Roberto Fú (PDT). Os vereadores Beto Cambará (Podemos) e Giovani Mattos (PSC), também integrantes da comissão, optaram por endossar parcialmente o relatório.
Confira abaixo, em detalhes, todos os itens analisados no relatório final da Comissão Especial dos Transportes Públicos:
1) Reequilíbrio econômico-financeiro
Sobre os aditivos de aproximadamente R$ 20 milhões pagos às empresas em 2021, para cobrir perdas provocadas pela pandemia de covid-19 relativas a 2020, a comissão especial conclui que “não houve a apresentação adequada que pudesse confirmar a real necessidade do ‘equilíbrio econômico-financeiro’ contratual”.
Segundo o relatório, ao mesmo tempo em que houve o aporte financeiro ao sistema de transporte, a CMTU autorizou a redução parcial da frota, dos insumos e da folha de pagamento das concessionárias, o que gerou economia de 31% no custo do serviço entre 2020 e 2019, o correspondente a R$ 36 milhões. Somando-se a economia ao aporte, a CE indica que R$ 56 milhões ficaram disponíveis para as concessionárias.
A CE indica que a CMTU contrate consultoria especializada para apurar de forma precisa os “reais valores necessários para restabelecer o ‘equilíbrio econômico-financeiro’ em ambos os contratos”, devendo o estudo ser finalizado em 90 dias e encaminhado para análise da eventual Comissão Especial de Inquérito.
Sobre a divulgação dos aditivos contratuais, a Controladoria da Câmara considerou que os documentos foram publicados no Jornal Oficial do município de “maneira extremamente reduzida”, sem citar valores, motivos nem o período do reequilíbrio financeiro. “A transparência deve ser entendida como uma ferramenta que proporciona à sociedade a possibilidade de fiscalizar a gestão pública e acompanhar como o dinheiro arrecadado tem sido utilizado, no entanto, no que condiz aos aportes aqui apontados, esses não foram devidamente divulgados. (…) [Estas] são informações indispensáveis para garantir a transparência dos recursos destinados ao ‘equilíbrio econômico-financeiro’ dos contratos de concessão”, afirmou a vereadora Jessicão no relatório.
2) Contagem de isentos
A comissão especial afirma que as concessionárias não possuem controle do número de usuários isentos, exceto de estudantes que passam pela catraca, “não possuindo contabilidade suficiente para justificar aportes financeiros de tamanha alçada”, se referindo ao subsídio de até R$ 25 milhões para o transporte coletivo municipal, relativo ao ano de 2022 e autorizado pela lei municipal nº 13.340, de 8 de janeiro de 2022, para bancar gratuidades de idosos, pessoas com deficiência, agentes de segurança, entre outros.
Conforme o relatório, por duas vezes, a comissão especial solicitou por escrito à CMTU a quantidade e o tipo de isenções pagas mensalmente, mas não obteve as informações. O documento também cita manifestação do diretor de Transportes da CMTU durante sessão extraordinária remota da Câmara de Londrina, em 7 de janeiro deste ano, em que, de acordo com a CE, afirmou não haver contabilidade nem controle dos isentos.
Sobre esse tema, a comissão especial indica que a CMTU apresente estudo técnico com a quantidade exata de usuários isentos e faça a readequação dos contratos em 90 dias, para ajustar a forma de realização de aporte aos isentos. Solicita também o encaminhamento do relatório ao Ministério Público Estadual e, diante da complexidade técnica do tema, requer a abertura de uma Comissão Especial de Inquérito.
3) Outorga onerosa
O relatório indica que as concessionárias não estão enviando ao Município os valores referentes à outorga onerosa. De acordo com os contratos, 0,4% do valor global estimado de cada contrato deveria ser repassado pelas empresas ao Fundo de Urbanização de Londrina (FUL), para aplicação em melhorias no sistema público de transporte coletivo do município. A Transportes Coletivos Grande Londrina (TCGL) deveria repassar aos cofres públicos R$ 5.638.112,06 e a Londrisul Transportes Coletivos, R$ 3.030.355,61. Por orientação da Assessoria Jurídica da CML, a comissão especial solicita que a CMTU aplique as penalidades previstas contratualmente às empresas no prazo de 30 dias corridos e sugere utilizar os valores para abater o valor da tarifa para o usuário.
4) Publicidade nos ônibus
O relatório da CE conclui, após análise técnica da Assessoria Jurídica da Câmara de Londrina, que a exploração publicitária nos ônibus, hoje gerida pelas concessionárias, deveria estar sob responsabilidade do poder público, uma vez que a receita obtida com os anúncios, conforme os contratos, deve ser utilizada como forma de auxiliar na redução do preço da tarifa.
De acordo com informações enviadas pela CMTU, a TCGL firmou contrato mensal de R$ 27 mil com empresas de publicidade, disponibilizando 200 ônibus para os anúncios, consolidando R$ 135 por coletivo. Já a Londrisul assinou contrato com sua própria administradora, com valor mensal inicial de R$ 7,6 mil, alterado para R$ 12.740 após a instauração da comissão especial, para permitir anúncios em 119 ônibus, ao custo de R$ 107,05 por coletivo. A comissão garante que a CMTU não comprovou ter tomado providências sobre a diferença de valores.
Desta forma, a CE orienta que haja alteração do formato jurídico da exploração publicitária em ambos os contratos, de modo que os serviços passem a ser explorados pelo Poder Executivo, como ocorre atualmente no caso da publicidade nos pontos de parada para embarque e desembarque nos terminais de integração.
5) Retomada das linhas
O relatório pede a retomada imediata de 27 linhas que foram extintas durante a pandemia de covid-19, solicitando que a CMTU apresente justificativa técnica com dados concretos capazes de explicar o motivo do cancelamento, da suspensão ou unificação com outras linhas.
O documento aponta também que o número de ônibus disponíveis está abaixo do previsto contratualmente. A Transportes Coletivos Grande Londrina, por contrato, deveria ofertar 244 coletivos (222 operantes e 22 reservas) e a Londrisul, 135 (123 operantes e 12 reservas). Contudo, segundo informações repassadas pela CMTU à comissão especial, a TCGL trabalha com 204 ônibus (déficit de 40 veículos) e a Londrisul com 123 ônibus (déficit de 12). A CE avalia que, devido aos aportes realizados às concessionárias e ao restabelecimento do número de passageiros com a volta às aulas presenciais, deveria haver a retomada integral das linhas e da frota exigida contratualmente.
6) Renovação da frota
Os contratos de concessão estipulam a idade máxima de 10 anos para os ônibus. A CE revela que a TCGL possui 66 ônibus com 10 anos de uso e outros 29 coletivos com 9 anos de uso, que poderiam rodar até o fim deste ano. Na prática, significa que a concessionária terá que renovar 95 ônibus até dezembro. Já Londrisul possui 35 ônibus com 9 anos de idade.
O relatório solicita que a CMTU determine à TCGL a renovação da frota em 60 dias corridos, sob pena das punições previstas no contrato, como advertência, multa e suspensão temporária de participação em licitações, ou ainda a intervenção na operação do serviço para assegurar a prestação ou sanar deficiência grave apontada, conforme previsão contratual.
7) Rede wi-fi
Diante da falta de rede de internet wi-fi nos terminais e da disponibilidade parcial nos ônibus, a CE indica que a CMTU determine às concessionárias o início da instalação, pois, conforme os contratos de concessão, os serviços deveriam ter sido implantados em até 180 dias após a assinatura dos contratos, firmados em 26 de agosto de 2019 com a Londrisul e em 24 de outubro de 2019 com a TCGL. O relatório conclui que não houve comprovação de fiscalização para verificar os motivos do descumprimento, notificação das concessionárias, nem justificativas plausíveis para a não implementação do serviço, e solicita que o Município responsabilize as empresas pela inexecução.
8) Bilhetagem eletrônica
O relatório aponta que até o momento não houve o início da instalação da Solução ITS, sigla em inglês para Sistema de Inteligência de Transporte, que consiste na implantação de bilhetagem eletrônica, contagem de usuários embarcados, validador eletrônico, cartões sem contato, câmeras, segurança eletrônica e sistemas de gestão, entre outros. Conforme o documento, as concessionárias e a CMTU justificaram a inexecução devido aos reflexos da pandemia de covid-19, contudo, após o término do estado pandêmico e dos aportes financeiros realizados, não houve início a implementação. Desta forma, a CE indica que, em 30 dias, a CMTU determine às concessionárias a implementação do sistema, sob pena de multa.
9) Vigilância nos terminais
Os vereadores da comissão verificaram a falta de segurança e vigilância adequadas nos terminais de integração, com ausências desses profissionais em determinadas horas do dia, descumprindo o item contratual que prevê vigilantes das 6 da manhã à meia-noite nos terminais de bairros e 24 horas no Terminal Central. As concessionárias informaram à CMTU, em setembro de 2021, que a modificação nas escalas foi necessária diante da redução de passageiros em aproximadamente 80% durante a pandemia. A TCGL alegou ainda que a receita com a arrecadação de tarifas era insuficiente para pagar todos os custos do transporte e requereu reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Diante da situação, a comissão especial solicita a pronta retomada integral da escala prevista no contrato de concessão.
10) Paralisações dos trabalhadores
A CE solicita a apresentação pública de um relatório explicando a ausência de pagamento dos direitos trabalhistas dos empregados da TCGL. Após a paralisação dos funcionários, entre os dias 1 e 3 de março de 2022 devido à falta de pagamento do Programa de Participação nos Resultados (PPR), a CE conclui que houve negligência da concessionária ao se negar a assinar termo de compromisso em audiência na Justiça do Trabalho, ocasião em que o Município se disponibilizou a pagar os R$ 2 milhões relativos ao PPR, para que houvesse a retomada imediata das operações. O relatório indica que não houve comprovação de fiscalização ou medida impositiva à concessionária, diante dos prejuízos à população pela falta do serviço. Desta forma, a comissão solicita que a CMTU aplique à TCGL as penalidades previstas e determina o encaminhamento do relatório ao Ministério Público do Trabalho para averiguar eventuais irregularidades trabalhistas.
Encaminhamentos aprovados
Diante das inexecuções contratuais, a Comissão Especial dos Transportes Públicos determinou cinco encaminhamentos, que foram aprovados por todos os vereadores integrantes da CE, exceto o item 4.
1) Abertura de Comissão Especial de Inquérito (CEI), diante das “inúmeras inobservâncias contratuais, descumprimentos e irregularidades, em especial inconsistências financeiras”, para realizar uma auditoria fiscal no serviço de transporte público.
Conforme o Regimento Interno da Câmara de Londrina, o pedido de abertura de CEI deve conter sete assinaturas e sua criação deve ser aprovada em plenário por, no mínimo, 10 parlamentares. A CEI tem prazo de 120 dias, prorrogável por até 60 dias, para apurar fato determinado, isto é, “acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do Município”.
2) Envio do relatório e anexos ao Ministério Público Estadual para tomar ciência de supostas “irregularidades existentes na utilização de recurso público”.
3) Envio do relatório e anexos ao Ministério Público do Trabalho, em relação às paralisações dos funcionários e possíveis descumprimentos trabalhistas.
4) Solicitação para que o presidente da CMTU e o chefe do Poder Executivo Municipal afastem imediatamente o diretor de Transporte da CMTU, tendo em vista a ausência de contagem do número de passageiros isentos no transporte público urbano municipal. Este encaminhamento não foi assinado pelos vereadores Beto Cambará e Giovani Mattos.
5) Envio do relatório e anexos à CMTU e à Prefeitura de Londrina para que nos prazos estipulados pela comissão implementem o plano de ação.
Encaminhamentos não aceitos
Outros 12 encaminhamentos foram apresentados pela vereadora Mara Boca Aberta, mas não obtiveram maioria na comissão e não serão considerados na conclusão dos trabalhos da CE. Entre eles, estava o requerimento para que o plano de ação fosse executado em 30 dias, incluindo a realização de auditoria fiscal e renovação da frota, sob pena de envio do relatório ao Ministério Público e eventual responsabilização do chefe do Executivo.
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