Bolsonaro e a tendência em atropelar as leis

do Notícias R7

Por Luiz Fernando Vianna/Revista Época

Jair Bolsonaro se queixou, no sábado 22, de que “o Legislativo, cada vez mais, passa a ter superpoderes” e que, assim, o presidente da República vira uma rainha da Inglaterra – ou seja, tem o trono, mas não manda no país. Durante 28 anos (1991 a 2018), Bolsonaro integrou o Legislativo como deputado federal. 

A reclamação nasceu de um caso em que, por não ter entendido a decisão ou não ter desejado entender, ele se enganou. Parlamentares não passarão a nomear pessoas para as agências reguladoras, e sim preparar uma lista tríplice, que será submetida ao presidente.

Arroubos contra o Congresso e contra o Judiciário têm sido frequentes nestes seis meses de governo Bolsonaro. A manifestação em seu apoio – e com o seu incentivo – que aconteceu nas ruas em 26 de maio teve em deputados e ministros do Supremo Tribunal Federal os alvos principais.

Limites legais, inerentes a uma democracia, incomodam Bolsonaro, um entusiasta da ditadura que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. Em janeiro, ele assinou Medida Provisória transferindo da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Agricultura a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas. Em maio, a Câmara dos Deputados derrubou a decisão e devolveu a missão à Funai. Na quarta 19, o presidente editou nova medida determinando a transferência para a Agricultura. A manobra é inconstitucional, pois não é permitido reeditar MP numa mesma legislatura (a atual já decidiu sobre a questão).

“Quem demarca terra indígena sou eu, não é ministro. Quem manda sou eu nessa questão”, irritou-se ele na quinta 20. Ele estaria certo se vivêssemos sob um regime que despreza regras democráticas, como, por exemplo, o da Venezuela.

Valendo-se apenas da própria caneta, Bolsonaro facilitou a posse e o porte de armas de fogo. Juristas e parlamentares apontaram inconstitucionalidades nas decisões, pois decretos não podem alterar leis – no caso, o Estatuto do Desarmamento. Na terça 18, o Senado derrubou os decretos. A pauta agora segue para a Câmara. Mas Bolsonaro já disse que vai determinar à Polícia Federal que não dificulte o acesso às armas para quem pedir. Não aceita regras que não sejam as desejadas por ele.

O “pacote anticrime” do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, prevê o “excludente de ilicitude”. Na prática, agentes teriam respaldo jurídico para matar durante supostos confrontos. Como o pacote não avança no Congresso e esse item dificilmente passará, Bolsonaro pretende enviar projeto de lei tratando apenas do “excludente de ilicitude”. Separando-o do pacotão, pode ficar mais fácil animar a bancada da bala e a militância belicista para pressionar deputados e senadores.

Em 10 de maio, Bolsonaro afirmou sobre os decretos das armas: “Estamos dentro do limite da lei. Se for inconstitucional, tem que deixar de existir”. A frase mostra o seu jeito de governar: desafia os limites da lei e adota a tática do “se colar, colou”.

A tática é ardilosa porque pode dar numa falsa derrota – ou seja, numa vitória, ainda que parcial. Testam-se as fronteiras inconstitucionais, o Legislativo e o Judiciário reagem (embora nem sempre), joga-se para a militância que os outros dois Poderes não ouvem o “povo” e tenta-se, na base do abafa, obter algum ganho.

Os planos de afrouxar a segurança no trânsito, impulsionar o desmatamento (tarefa do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles), desmantelar as universidades (diversão do ministro da Educação, Abraham Weintraub), reduzir terras de indígenas e quilombolas, liberar as armas… Nada disso é civilizatório e, provavelmente, não é constitucional. Mas qualquer ganho legal que se conseguir, em meio ao barulho das fake news e da truculência digital, já será útil.

E há os ganhos fora da lei. Desde a vitória de Bolsonaro em outubro de 2018, suas ideias passaram a ser aplicadas por quem se sentiu autorizado. Em novembro passado, como já se noticiou, o desmatamento na Amazônia aumentou 406%, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia. Ruralistas, grileiros, violadores de parques ecológicos, inconformados com limites de velocidade, policiais assassinos e outras categorias podem ainda não ter o respaldo da lei, mas contam com o apoio entusiasmado do presidente que ajudaram a eleger.

Compartilhe
Leia Também
Comente

2 Comments

  1. Moriarty

    Se ele se beneficiou das decisões de um juiz que atropelava as leis, por que ele próprio não vai continuar atropelando as leis em benefício próprio? Tudo que Bolsonaro está tentando fazer é um governo de exceção já que chegou lá depois de vários golpes. Como os coniventes foram muitos, por que ele deveria agora respeitar as leis? Ele continua acreditando que os responsáveis pela sua eleição vão apoiar irrestritamente suas decisões por mais estapafúrdias e ilegais que forem. A conferir.

  2. Satanás

    Bolsonaro se comparou à rainha da Inglaterra. Presunção do presidente. No máximo ele pode ser chamado de “rainha do laranjal”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Buscar
Anúncios
Paçocast
Anúncios