Millôr contra o poste

Ruy Castro/Via blog do Zé Beto

Nos anos 80 e 90, quando o Jornal do tinha enorme peso na imprensa, Millôr Fernandes produzia uma coluna diária na sua página de opinião e, com seu espírito de ferrinho de , infernizava a vida de José Sarney, Fernando , e , os presidentes do período. Mas, às vezes, Millôr se ocupava também dos assuntos do Rio. De preferência, dos que lhe tocavam mais de perto —leia-se Ipanema, do qual era proeminente cidadão. Em certo momento, Millôr implicou com um poste gigante armado pela na pedra do Arpoador para tornar a área mais segura e facilitar a vida dos surfistas que pegavam onda de madrugada.

O poste era da altura de um édio de quatro andares e sua bateria de lâmpadas dava para iluminar um estádio de . Millôr protestou contra aquele estrupício que, durante o dia, era ainda mais monstruoso e maculava o cartão-postal. Millôr denunciou-o numa crônica incisiva —em vão. Voltou à carga dias depois e, de , nada aconteceu. Então, bem ao seu estilo, começou um fuzilamento diário contra o Marcelo Alencar, a quem chamava de Barcelo, referindo-se à suposta militância etílica do governante.

Em condições normais, Marcelo teria mandado remover ou amenizar o poste, que também não contava com a simpatia da maioria dos ipanemenses. Mas, ou para contrariar Millôr ou porque realmente acreditava na utilidade do poste, deixou-o lá e aguentou os ataques.

E, assim, prosseguiu pelas semanas seguintes a batalha do século: Millôr contra o poste. Placar final da refrega: o poste ganhou. Passaram-se anos. Marcelo e Millôr já morreram, o poste está lá até hoje e, agora, nem parece tão grande.

Tudo isto para dizer que nós, colunistas, às vezes fazemos uma ideia exagerada do nosso poder. Pois poucos foram mais poderosos que Millôr Fernandes —e, um dia, ele perdeu para um poste.

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