"Nós somos a floresta e a floresta é nossa alma"
Por Walace Soares de Oliveira
No início Pálob, nosso Pai (dos Paiter-Suruí), um dos primeiros seres fez muitos de nós, éramos gente, mas Pálob transformou muitos em antas, cutias, macacos e veados para termos caça para comer… por isso somos todos parentes. Os bichos e nós os Paiter-Suruí “o povo verdadeiro, nós mesmo”.
Cada canto, lenda, pintura e experiência eram passados na longa noite aquecida pela fogueira, na beira do rio, entre as árvores no meio da floresta que é a nossa casa.
Aprendemos a cantar e nos enfeitar com os pássaros, as plantas matam a nossa fome e nos ensinaram a curar, os rios nos dão a vida, os animais são nossos parentes e nós somos a floresta e a floresta é nossa alma.
Um dia o homem branco chegou e matou o índio, derrubou a floresta e colocou boi, matou os animais por esporte, tirou o pó amarelo dos rios e jogou mercúrio e os rios morreram e não têm mais peixe.
Agora o silêncio reina na floresta não tem mais canto dos pássaros, as antas e cutias sumiram, nem o miado da onça se ouve durante a noite. O silêncio se mantém até ligarem a motosserra, o trator e a draga aí a floresta chora.
Os Paiter-Suruí se pintaram com as tintas da guerra e aprendemos a usar a tecnologia e os instrumentos do homem branco, os smartphones tiram as fotos dos invasores, assim, compartilhamos na rede. Registramos em tempo real o rio morto, a árvore derrubada e a onça caçada. O tempo que não era tempo para nós agora é real e virtual. A aldeia virou mundo e o mundo virou aldeia.
Os anciãos contavam nossas “memórias” para as crianças que um dia se tornariam anciãs e contariam para outras crianças, agora temos “histórias”, hoje nosso tempo se transformou. Continuamos contando nossas narrativas, porém, agora elas estão gravadas, filmadas e compartilhadas em rede.
Nossa luta preservou nossa cultura e a floresta.
Os cantos dos pássaros, as antas e as cutias voltaram, a floresta e os rios renasceram e não nos encontramos mais em volta da fogueira, contudo estamos em todos os lugares… a maloca é digital, nossa história e lutas são compartilhadas com todos e aprendemos o valor e o poder da informação e seu compartilhamento. Informação é vida, é cultura e resistência.
Prof. Walace Soares de Oliveira IFRO/USP