O Rio e o mito do governo de eventos, uma análise sobre porque o Rio quebrou

Elio Gaspari

O decreto que colocou o Rio de Janeiro num regime de calamidade é mais uma pirueta do estilo de administração que arruinou o Estado. Havendo um problema, cria-se um evento. O problema era a falência, assinou-se um decreto, criou-se um evento e transferiu-se o problema para Brasília. Lá, um governo fraco e fiscalmente combalido capitulou, concedendo uma moratória a Estados administrados por perdulários.

O governo do Rio faliu pelo mais elementar dos motivos: gastou o que não tinha e pôs dinheiro onde não devia. O mesmo núcleo do PMDB controla o Estado desde 2007. Não é um núcleo qualquer. Seus caciques são Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Eduardo Cunha e Jorge Picciani. Uns, como Cabral e também o prefeito Eduardo Paes, são políticos com tino para o espetáculo. Outros, como Pezão, Cunha e Picciani, costuram por dentro.

A atividade espetacular cavalgou a Copa do Mundo, reformou o Maracanã e deu à cidade uma eventual sensação de segurança com a criação das Unidades de Polícia Pacificadora e a ocupação militar de comunidades. A Copa foi-se embora, o Maracanã virou um escandaloso elefante branco e as UPPs adernaram por falta de ações sociais complementares e excesso de corrupção policial. Sobrou o teleférico do morro do Alemão, onde a diretora do Fundo Monetário Internacional sentiu-se no Alpes. A madame ecoava a cultura cosmopolita do governador Cabral no restaurante Louis XV do Hôtel de Paris, em Mônaco: “Este é o melhor Alain Ducasse do mundo”. (Referia-se ao chef da casa.)

Quando um governo vive de eventos, uma crise jamais começa com a paralisação de alguma grande obra ou de um projeto da vitrine. A conta vai sempre para os serviços básicos oferecidos ao andar de baixo. A falência do Rio foi exposta no final de 2015 com o colapso da rede de saúde. Havia fornecedores que não recebiam há meses. Na ocasião o governador Luiz Fernando Pezão ensinou: “O Estado não fabrica recursos”. Consome-os, mas deixa pra lá.

A aula de economia de Pezão passou longe da prática da gestão pública. Na hora de suspender serviços para a população, a matemática funciona, mas quando se trata de gastar dinheiro para sustentar a máquina, a administração pública brasileira contorna a lição da física segundo a qual dois corpos não podem ocupar, ao mesmo tempo, o mesmo espaço. Um servidor pode ocupar, ao mesmo tempo, duas folhas de pagamento, trabalhando num só lugar. A repórter Carina Bacelar mostrou que no Rio os secretários Christino Aureo, da Agricultura, Wagner Victer, de educação e Julio Bueno, da Fazenda, acumulam seus vencimentos com os salários de funcionários do Banco do Brasil ou da Petrobras. Victer acumula salários desde 1999. Bueno, o homem das contas, recebe como secretário R$ 16.579, e os contribuintes do Rio pagam R$ 49 mil à Petrobras pela cessão de seus serviços. Tudo de acordo com a lei, sempre superando os tetos constitucionais.

O próximo evento desse estilo espetacular de administração será a Olimpíada. Como explicou o secretário Moreira Franco, ex-governador do Rio e fundador do PMDB, “não podemos pagar um mico internacional”. Disse isso no dia em que o governo pagou um orangotango nacional.

Compartilhe
Leia Também
Comente

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Buscar
Anúncios
Paçocast
Anúncios