Democracia e eleições, parte 1.
Por Walace Soares
Você sabe o que é uma ditadura? As ditaduras são movimentos tanto civis quanto militares, que se caracterizam segundo Norberto Bobbio como poderes centralizados que suprimem as liberdades civis, a liberdade de expressão e a representatividade num movimento que nega totalmente a democracia. Elas utilizam como instrumento a censura a imprensa livre e todas as manifestações populares, limitam e controlam os poderes legislativo e judiciários e também aparelham os órgãos de segurança para a repressão de todo pensamento livre.
Você sabe quantas ditaduras o Brasil já teve, desde a proclamação da república? Então, considerando que a proclamação aconteceu em 1889, e é um espaço de tempo curto para a história, desde então já tivemos duas ditaduras. Ambas no século passado e não tão diferentes, uma civil e outra militar, faremos um breve e despretensioso resumo de ambas com a finalidade de refletirmos o que já foi, o que vivemos e o que podemos viver.
A primeira foi a do Estado Novo, que durou de 1937 a 1945, ela foi civil e flertou bem de perto com o nazifacismo, aliás ele foi seu modelo, quase levando o Brasil a se alinhar a Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial. Ela fechou o congresso nacional, implantou a censura aos meios de comunicação e o terror pela polícia de Estado de Getúlio Vargas através principalmente de Filinto Müller (militar e torturador), líder da chamada polícia política.
A segunda e que tentam resgatar, num movimento de equivocado e parcial de “revisionismo histórico”, bem lembrado pelo Prof. Estevão Fernandes no último Audiência Pública, foi a ditadura militar que foi de 1964 a 1985. Como a primeira, também fechou o congresso nacional; depois o reabriu com limitações, cassou deputados e partidos políticos, censurou a imprensa e as artes, controlou o judiciário, reduziu a política ao bipartidarismo e torturou aqueles que se manifestaram contra a ditadura e com participação ativa das forças armadas e policiais. Tendo como seu torturador mais conhecido e condenado pela justiça, o Coronel Brilhante Ustra.
A imprensa para se manifestar começou a publicar receitas em seus editoriais, em protesto a censura. Cantada tão bem por Chico Buarque de Holanda, “num tempo, página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória das nossas novas gerações, dormia a nossa pátria mãe gentil, tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”, não tínhamos condições de saber o que acontecia por causa da censura. E Chico Buarque de Holanda e Gilberto Gil também imortalizaram em majestosa liberdade poética de reflexão em Cálice, um hino contra aqueles tempos de treva, já que a cale-se seria censurado:
Pai (pai)
Afasta de mim esse cálice (pai)
Afasta de mim esse cálice (pai)
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa (Holanda e Gil, 1973)
Durante esse período conhecido como os “anos de chumbo”, não podíamos exercer um dos pilares da democracia, o voto principalmente para presidente, pois da junta militar instituiu a eleição indireta, feita pelo congresso que controlavam pelas artimanhas eleitorais da ditadura para se manter no poder. Aliás, só votávamos para cargos legislativos, os senadores só voltaram a ser votados em 1972 e no executivo dos estados e os municípios que não eram capitais, nelas os escolhidos, sempre pela ditadura eram chamados de “prefeitos biônicos”.
Lembrando que esse foi um movimento de ditaduras militares, que tivemos por toda América Latina, patrocinada pelo governo norte-americano, durante o período de bipolarização com a antiga União Soviética, entre o comunismo e capitalismo, conhecida por “Guerra Fria”. Ressaltando que ele não existe mais, porém grupos reacionários e autoritários tentam vender para retomar ao poder, colocando em risco a democracia. Esse período foi chamado de “anos de chumbo”, é vergonhoso, mas ele existiu, foi real e não podemos esquecer, principalmente hoje que movimentos de ultradireita como no leste europeu e no Brasil tentam reavivar.
Por fim e para não esquecermos, ditadura militar nos deixou tristes lembranças e heranças cruéis como: a maior recessão econômica da história, nossa maior hiperinflação que só foi resolvida quase dez anos depois do retorno da democracia em 1994, com o plano real; até hoje sem o paradeiro dos presos políticos sequestrados, desaparecidos e morto, o crescimento do abismo social e pobreza.
Walace Soares é professor universitário e comentarista da Rádio CBN/Porto Velho