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Cláudio Osti

O agente e o tubarão

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O agente e o tubarão

Por Livia Oliveira

“Quem é o inimigo, quem é você”? Esse verso da Legião, reverberou na minha memória adolescente depois do filme O Agente Secreto, dirigido pelo visceral Kleber Mendonça Filho. Quem é o agente, quem é o tubarão???

Fui à primeira sessão de pré-estreia, em Londrina, e ainda havia poucos spoilers. Agora que já está em cartaz pelo Brasil afora, reservo-me o direito de acrescentar alguns. Confesso que cheguei ao cinema achando que o protagonista, vivido por Wagner Moura, em algum momento seria perseguido ao ser confundido com algum infiltrado.

Mas essa personagem secreta não existe visualmente. É algo etéreo, que ‘age’ misteriosamente na conexão entre pessoas estrangeiras em sua própria terra, perseguidas por existirem. Obrigadas a sublimar suas verdadeiras identidades. São turistas em Boa Viagem, surpreendidos por uma besta faminta por sangue.

O agente secreto se passa nos anos 1970, década em que O Tubarão, de Steven Spielberg, tornava-se um blockbuster. Nas duas produções, o perigo se esconde de forma sorrateira e ataca covardemente. Um intertexto que se costura pelo cheiro da morte em meio a um carnaval, com corpos desaparecidos e pedaços de gente, trazidos pelas ondas.

São apenas pessoas, anônimas, que desaparecem. De morte matada ou morrida, como tantos iguais, às vezes, homônimos. Lembradas como números nas manchetes de jornais, em meio a notícias tão cabeludas e ficcionais quanto a perna que ataca salientes desavergonhados nos becos de Recife. Tipo de fakenews que causa riso em quem se permite pensar e pânico a quem nem ousa.

Tubarões, maiores ou menores, rondam, sempre à espreita. Matam e a festa continua entre uma fornicação e outra, uma corrupção e outra. A economia não pode parar e qualquer morte precisa ser transformada em sensação de segurança. Um grande tubarão branco com uma “mão branca”, que puxa para o fundo do oceano quem ousa surfar sua onda.

Um dia, serão fisgados – pela boca? “Não, não vão”, dizem soldados, cansados de outras guerras.

Filme de suspense que alivia tensões de realidades brutais. E descobre os espelhos de um Brasil secreto.

Livia Oliveira é jornalista, escritora, professora e doutora em Estudos da Linguagem

 

 

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