Quanto custa a solidariedade numa catástrofe?

Coluna Pequena Londres – Walace SO
Buenas Pequena Londres desse lado da beira do Igapó, sigo aqui do lado da beira do rio Madeira em terras da Amazônia, um Pé Vermelho agora beiradeiro.

Buenas Pequena Londres desse lado da beira do Igapó, sigo aqui do lado da beira do rio Madeira em terras da Amazônia, um Pé Vermelho agora beiradeiro. As chuvas que destroem todos os anos o Brasil e áreas em que o crescimento urbano não tem planejamento ou regulamentação, aliás a mesma regulamentação que favorece ricos a destruírem matas e encosta para aproveitarem o melhor visual para seu prazer. Dessa vez é litoral de São Paulo que é castigado pela chuva e catástrofes naturais, é a natureza cobrando do bicho homem a sua ganância, a lógica do mercado, a lei da oferta e da procura, da incompetência do Estado em organizar a expansão urbana e moradia.
Podemos lembrar aqui várias tragédias ao longo de décadas, bom desde a minha infância e já se vão 56 primaveras. A geração “Z” não deve conhecer, mas vamos recordar de “águas de março”, um clássico de Tom Jobim:
“É o pau, é a pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba no campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o matita-pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento vetando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto um desgosto, é um pouco sozinho
É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manha, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terça
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Pau, erda
Im, inho
Esto, oco
Oco, inho
Aco, idro
Ida, ol
Oite, orte
Aço, zol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração”

Prestem atenção na letra, Tom refletia metaforicamente a construção de seu sítio, a vida e morte através dessa construção, dos materiais e seus significados. Contudo quero ressaltar que as “águas de março” que fecham o verão também marcam um período de chuvas intensas num curto espaço de tempo e local. E a natureza é implacável contra a ação do bicho homem sobre ela, e nada vem com mais força que a água… incontrolável, majestosa e impiedosa ela arrasta e leva tudo, no final só resta lama e desolação por onde ela passou. E essa é uma interpretação pessoal que compartilho para refletirmos.
Esses fenômenos têm se agravado nos últimos anos, principalmente pela maneira que tratamos o planeta. O aquecimento global somado ao desmatamento da floresta e garimpo ilegal da Amazônia cobram na força das águas um preço muito caro e implacável, principalmente para os mais pobres. É a desigualdade estampada morro abaixo.
A força das águas no fim do verão com os acidentes anuais nas regiões entre a serra e litoral, são causados justamente pela necessidade que leva as pessoas a construírem suas casas, sem o mínimo de infraestrutura que o Estado deveria dar para um loteamento ou dos loteamentos de classe alta que destrói a mata que retém essa água. Dessa forma, as casas subiram os morros na cidade maravilhosa e outros cantos pelo Brasil e todos os anos acontecem as tragédias que poderiam ser evitadas.
Porém, a maior tragédia é a humana, quando a ganância resolve cobrar abusivamente por água e alimento num momento de desespero e dor. Não há espaço para solidariedade quando o lucro percebe a oportunidade, não importa o que aconteceu, não vale o luto e o choro, o que importa é o lucro dessa “ocasião de mercado”.
Ainda mais quando os cofres públicos estão vazios para qualquer tipo de socorro, afinal o preço da última eleição perdida foi cobrado, com uma herança de falta de verba para todas as crises que estão por vir. Não podemos esquecer que foi um governo, que durante crises e mortes nas suas férias pedia para não atrapalharem seus momentos de lazer no jet-ski. A herança é justamente a da indiferença, pela a maneira que a vida e tudo que é público foi destratado pelo último governo. E aqui não é uma questão de partido ou ideologia, mas de refletirmos todos os movimentos reacionários e suas consequências.

Walace Soares de Oliveira, cientista social pela UEL/PR, mestre em educação pela UEL/PR e doutor em ciência da informação pela USP/SP, professor de sociologia do Instituto Federal de Rondônia (IFRO).

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Um comentário

  1. Tá louco?

    Como se entre 2003 a 2016 durante o governo dos Onestos Petistas nao houvesse catastrofe evitável.
    Procure aí Doutor Professor.
    Catástrofe no Brasil é estrofe de escola de samba ou trio elétrico na Bahia, né Janja.

  2. Genildo

    Quando custa a solidariedade numa catástrofe?
    Para a sociedade muito pouco já que nunca se negou a minimizar o sofrimento alheio ainda que essa ajuda soe como um bitributação. Para políticos custa muito já que esse tipo de verba poderia estar bancando passeios de jet-ski ou peças teatrais. É bom lembrarmos que esse tipo de tragédia ocorre a décadas e não é privilégio desse ou daquele governo, de esquerda ou de direita, é culpa de governos de esquerda, de direita e de centro, todos eles omissos.
    Estou beirando os 60 anos de idade e desde que me conheço por gente essas tragédias acontecem anualmente, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e até mesmo aqui no Paraná em 1983, em União da Vitória. Esqueceram-se? Sempre a mesma reprise do ano anterior: falta de planejamento, falta de investimento, blá, blá blá…..como se nunca tivesse ocorrido, como se fosse a primeira vez, uma coisa nova e imprevisível.
    O que nos cabe agora é enterrar nossos mortos, chorar, ajudar no que for possível e nos preparar para a tragédia do próximo ano já que pelo jeito, nada mudou e nem vai mudar.

  3. Mateus Oliveira

    Vi hoje uma entrevista do prefeito de São Sebastião, cidade duramente atingida nesse final de semana. Na entrevista, o prefeito relata o seguinte absurdo:
    “Há dois anos lancei um programa para a construção de 400 casas. Houve um absurdo: os moradores de média e alta renda, incluindo empresários e famosos, reuniram-se com a prefeitura simplesmente negando a construção de casas populares. FUI SIMPLESMENTE BLOQUEADO POR PRESSÃO POPULAR (na verdade, por pressão de ricos e celebridades) E CANCELARAM NOSSOS PROGRAMAS NA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL”.
    Em resumo: aos ricos ficou a valiosa orla com suas mansões e seus condomínios fechados; aos pobres ficou a encosta dos morros. Não é difícil encontrar os criminosos que impediram casas seguras aos pobres mas viabilizaram mortes e a destruição dos parcos bens de seus empregados.

    1. Genildo

      Deixa ver se entendi: o prefeito chama-se Felipe Augusto e é do PSDB, foi apoiador da reeleição de Bolsonaro, tentou construir 400 casa populares para moradores de baixa renda e forças ocultas e poderosas boicotaram e inviabilizaram o projeto.
      A matéria: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/prefeito-de-sao-sebastiao-sp-diz-que-casas-populares-foram-barradas-em-bairro-nobre/

      Pelo jeito tem gente querendo que uma parcela da sociedade continue na pobreza extrema para justificar um discurso politico.

      1. Mateus Oliveira

        Pelo relato do prefeito, eram forças poderosas mas não eram ocultas. Uma dessas forças era o ex-secretário do Bolsonaro, Fabio Wajngarten, que participou da reunião que dinamitou a proposta do prefeito de construir um conjunto habitacional do lado da orla dos ricos. Naquela região, a pobreza extrema serve muito mais aos interesses dos seus patrões ricos. Enquanto aqueles vivem em barracos em áreas de risco, estes vivem em condomínios fechados e mansões. Como sempre o pobre serve para trabalhar, mas não lhe pagam o suficiente para morar dignamente e com segurança. Quanto à suspensão do projeto do prefeito pela Caixa Econômica, quem pode explicar é o presidente da Caixa na época, aquele assediador de funcionárias que, em breve, deve ser recolhido ao xilindró.

        1. Genildo

          Que discursinho mais debiloide é esse? Só faltou dizer que essas vitimas se instalaram em áreas de risco após 2018.

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