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A aridez do asfalto compete com a aridez da sensibilidade social

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A aridez do asfalto compete com a aridez da sensibilidade social

Por Almir Escatambulo

O sol de outubro em Londrina tem uma força diferente. Queima a pele, racha o asfalto e, em 2025, parece queimar também a esperança. Nas ruas, a conversa ecoa sobre os cortes que virão, sobre as portas que se fecharão aos poucos, sobre os números que, na frieza de uma planilha orçamentária, significam a fome que aperta, o frio que insiste, a solidão que corrói.

Dona Maria, sentada no ponto de ônibus da Leste Oeste, sabe bem o que é ter a esperança convertida em percentual. Para ela, o Benefício Eventual Emergencial de R$ 210, agora suspenso, não era um “programa de governo”, mas a dignidade de um prato de comida nos piores dias. Seu olhar perdido na paisagem cinza da cidade reflete a incerteza de milhares de outras Marias, que esperam na fila do CadÚnico, que cresce a cada dia como erva daninha em terreno fértil.

Do outro lado da cidade, nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), a sobrecarga é visível. Faltam servidores, sobram demandas. As paredes, que antes ouviam histórias de superação, agora ouvem lamentos silenciosos. A rotina dos funcionários é um malabarismo entre a burocracia e a dor, tentando estender a mão onde o orçamento os obriga a recuar. O corte de quase R$ 17 milhões na Assistência Social, previsto para 2026, é um eco distante para quem lida com o concreto da vulnerabilidade social.

A política, essa senhora de voz grave, argumenta sobre equilíbrio de contas, prioridades e reajustes. A sociedade, no entanto, vê a inversão de valores. Enquanto alguns setores são reforçados, a rede de proteção social, já fragilizada, é desfiada, ponto a ponto, deixando desamparados aqueles que mais precisam. É uma realidade dura, uma contradição amarga.

A crônica, muitas vezes, é um retrato do cotidiano. E o cotidiano de Londrina, em 2025, é a imagem de uma mesa vazia, de um cobertor que não existe, de uma criança que não terá a chance de um futuro diferente. A crônica da cidade é um alerta, um grito silencioso que se perde no barulho dos dias, esperando que a tinta na folha de papel possa, talvez, ser mais alta que o som do esquecimento.

Ainda assim, há esperança. O Conselho Municipal de Assistência Social, as entidades e a sociedade civil se unem para dialogar, para lutar. A crônica não termina aqui, pois a história ainda está sendo escrita, a cada dia, nas ruas de Londrina. A última palavra ainda não foi dita, e o sol, que hoje queima o asfalto, pode, no futuro, aquecer o coração de quem precisa.

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