Domingo, 10 de dezembro, Londrina comemorou 89 anos

Por Nilson Monteiro

Terra de outro dia.

A Londrina antiga eu carrego nos poros,

nos varais vermelhos,
na poeira endiabrada,
na meleca das maças,
no palito de limão,
no barro do lago,
no ferrão dos marimbondos,
na xepa da feira,
nas cicatrizes do capotão,
no frêmito dos gols,
na gritaria das cigarras,
na angústia do poente,
no morno do vento,
na ponta do canivete,

na paçoca da Siam,
no salgado da pipoca,
no doce da tubaína,
na mistura do rabo-de-galo,
no riso do circo,
na palhaçada do Queirolo,

no encardido das unhas,
na farra das matinês,
nos chifres dos rodeios,
no buracão do DER,
nos primeiros pelos
e no sexo sonhado,
no catecismo ensebado,
na música caipira,
na rouquidão do rádio,
no rangido líquido do poço,
nos concursos da emissora,

na luz das manhãs,
no azul estupendo dos dias,
na pintura das nuvens,
na sua arte celestial,
no badalar dos sinos da catedral,
no limbo dos paralelepípedos,
nas curvas lanhadas dos postes,
nos muros do Vitorino,
no perfume do beira-de-linha,
na lâmina do capim,

no latifúndio do espaço,
no bico de anu torrado,
na bosta das mulas,
no roubo de melancia,
na dor do tiro de sal
no ardume da ferida,
no podre do dente,
no farpado da cerca,
na borracha do estilingue,
na caixa de engraxate,
no alvo das vidraças,

no medo do cemitério,
nos mistérios da zona,
nos segredos da putaria,
na alegria dos balaios-de-puta,
na buzina enferrujada dos Gordini,
no coração das paixões,

nas perobas esfiapadas,
no tomate das lâmpadas,
na gritaria dos pardais,
na languidez dos córregos,
no esguio dos lambaris,
na búricas da terra,
nas mãos tingidas,

nos barracões entupidos de café,
na goma arábica das figurinhas,
na cola de farinha de trigo,
no escândalo das matracas do padeiro,
no corte do açougueiro,
nos sacos sujos da venda,
nas línguas de açúcar cristal,
na preguiça da carroça,
no carrinho do pão,
no litro de leite de vidro verde,

no estalar de bombinhas,
no andar morto do relojão,
no carinho verde do bosque,
no sangue do dedão arrebitado,
no coleirinho na gaiola do pasto,
na gordura do bar da rodoviária,
nos rachados dos calcanhares,

na chuva roxa,
no grude do barro,
na mata-junta cicatrizada,
no balaústre magrelo,
nas saias encardidas das casas,
na sola da botina,

nos trilhos oleosos,
no apito saudoso e dolorido do trem,
no dormente esfarrapado,
na liberdade dos quintais,
na vadiagem da noite,
na tosse braseira do primeiro cigarro,
na dor do beiço,
no crepitar das fogueiras,
na sépia das fotos,
na molecagem da vida,

tanto e tanto e muito mais eu trago no peito,
a Londrina antiga,
carregada de substantivos e adjetivos,
eu carrego
nos olhos rubros,
molhados
e ardidos de saudades.

(NM)

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