Desde 2008

Editor:
Cláudio Osti

Anistia é um movimento da Elite, um seguro contra as transgressões

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Por Marcos Fahur

O recém premiado Diretor de “O Agente Secreto”, Kleber Mendonça Filho, vem dizendo que “o Brasil tem um estranho caso de amnésia autoaplicada”. Ousando discordar do Diretor, a amnésia não é autoaplicada, mas provocada. Todas as lembranças e toda a amnésia do Brasil são inoculadas pela acomodação dos interesses da Elite. Que o diga o enorme Manoel Bonfim (In “Combate ao Racismo, Educação Popular e Democracia Radical, ed. Expressão Popular, 1ª ed., 2008, por Aluizio Alvez Filho).
Lendo a História do Brasil pela visão do Povo Brasileiro é fácil perceber a distorção entre realidade e fantasia na narrativa ao longo dos séculos, mas não devemos ir tão longe para examinar este tema tormentoso e angustiante que insiste em voltar repetidas vezes ao centro do palco, mesmerizando pessoas e dividindo almas.
Pretos e pobres e desvalidos nunca são anistiados. Nem serão algum dia, não importa a gravidade do crime que tenham cometido.
A Elite se autopreserva e a Anistia se tornou uma espécie de seguro contra as transgressões futuras e não um remédio
para as transgressões atuais. E não se trata de pequenas transgressões, mas do que é mais sagrado a todo o Povo brasileiro:- a Democracia, que assegura os direitos e garantias individuais a todos os cidadãos brasileiros.
Episódios recentíssimos explicam este fenômeno e provam como a Anistia é a própria impunidade e um incentivo, como
o seguro sobre o qual dissemos antes, às futuras transgressões. Voltando à eleição da chapa Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Goulart tudo o que estamos vendo hoje ocorreu em 1955.
Havia a desconfiança sobre as cédulas eleitorais que pela 1ª vez foram produzidas pela Justiça Eleitoral – antes desta eleição os próprios partidos políticos faziam e distribuíam as cédulas eleitorais. Numa votação em turno único, houve enorme resistência e grandes contestações ao resultado da eleição, sendo a mais recorrente o fato de que JK e Jango não haviam conquistado a maioria absoluta dos votos.
A posse de JK só foi assegurada por um movimento da parte legalista das Forças Armadas, liderada pelo então Ministro
da Guerra de Café Filho (que tomara posse com o suicídio de Getúlio Vargas), o Marechal Henrique Teixeira Lott exigindo de Carlos Luz, à época Presidente da Câmara dos Deputados e substituto legal de Café Filho, que se internara na véspera, a prisão do Coronel Jurandir de Bizarria Mamede, que, embora não inscrito para falar, fez um discurso no funeral do General Canrobert Pereira da Costa elogiando o General morto por este haver liderado o movimento contra Vargas em agosto de 1954 e afirmando, em resumo, que não se devia dar posse aos eleitos pela minoria. Lott considerou este discurso como uma quebra da hierarquia Militar e exigia a punição do General Mamede, mas para isso era
necessário o assentimento do Presidente Café Filho, pois Mamede lecionava na Escola Superior de Guerra, órgão ligado ao Estado Maior das Forças Armadas e subordinado diretamente ao Presidente da República.
No dia 3 de novembro ligou ao Gabinete Militar da Presidência da República e foi informado pelo Coronel Canabarro
Pereira que Café Filho havia se internado na véspera. No dia seguinte Lott foi chamado por Carlos Luz para uma reunião e Lott se mostrou inflexível com a punição a Mamede. Voltando ao Palácio no dia 10, Lott tomou conhecimento
do Parecer do Consultor-Geral da República, Temístocles Cavalcanti, que se opunha à punição de Mamede. Lott então coloca seu cargo à disposição e fica surpreso ao saber que Carlos Luz já tinha um substituto para a função e que
este estava no Palácio, o General Álvaro Fiúza de Castro, que foi chamado ao Gabinete para que a posse fosse imediata. Lott diz que precisava esvaziar as gavetas e marca a transmissão do cargo para o dia seguinte.
A notícia da demissão de Lott provocou insatisfação em círculos militares ligados a JK, como o General Odílio Denys,
Zenóbio da Costa, Olímpio da Cunha e outros sete Generais do assim chamado Movimento Militar Constitucionalista.
A 11 de novembro Lott telefona para o General Denys e lhe comunica que agiria para assegurar a ordem Constitucional
e garantir a posse de JK e João Goulart, e, juntando-se ao Grupo de Legalistas reunido na casa de Denys, segue para o Ministério da Guerra onde acabou por se centralizar o comando das operações militares. Desencadeado o Movimento
de Legalidade para assegurar o cumprimento da Constituição, seguiu-se então a declaração de impedimento do Presidente Carlos Luz, a entrega de seu cargo ao Presidente do Senado Nereu Ramos e a garantia da posse dos eleitos.
Em fevereiro de 1956 um novo Golpe foi tentado em Jacareacanga por Oficiais da Aeronáutica, liderado pelo Major
Haroldo Veloso e pelo Capitão José Chaves Lameirão, mas o Marechal Teixeira Lott, firme em seus propósitos legalistas e ocupando a função de Ministro da Guerra, assegurou uma vez mais a ordem Constitucional e exigiu a punição
dos insurretos.
Juscelino, entretanto, anistiou todos os golpistas, tanto os Militares ligados ao Golpe de 11 de novembro de 1955,
antes da posse, como os insurretos de fevereiro de 1956. Anistiados, estes revoltosos, agora com o apoio de Oficiais do Exército, tentaram outra tomada do Poder em dezembro de 1959 sob a liderança do Major Haroldo Veloso (outra
vez) e João Paulo Burnier. Suas intenções foram impedidas pelo Marechal Lott que, uma vez mais, exigiu a punição dos insurretos e mais uma vez eles foram anistiados.
Na eleição subsequente o Marechal Lott foi o candidato de Juscelino e Joao Goulart, seu vice-Presidente, se alia a Jânio Quadros que a esta altura renunciara à renúncia de ser candidato a Presidente da República e esta última chapa vence as eleições e toma posse.
Jânio agora renuncia ao próprio cargo de Presidente da República, talvez inspirado em Fulgência Baptista em Cuba, que havia renunciado e reconduzido à função nos braços do Povo, Jango toma posse, a crise se instala pelo progressismo deste com Leis que atingiram a Elite, como a Reforma Agrária, temos um Governo de Coalisão Nacional com uma experiência parlamentarista sob Tancredo Neves, mas, com a pressão popular, Ranieri Mazzilli, então Presidente da Câmara dos Deputados, com o aval de Auro de Moura Andrade, então Presidente do Senado, declaram vago o cargo de
Presidente da República e abrem as portas para o Golpe Militar de 1964, uma imposição dos Estados Unidos da América para atender interesses Geopolíticos da Guerra Fria.
E quem são os Militares que lideram o Golpe? Eles, insurretos anistiados, como João Paulo Burnier e o cognominado Grupo de Sorbonne, com Golbery do Couto e Silva – o “Mago”, que depois ira liderar o movimento Militar de retorno à normalidade Democrática -, Castelo Branco, Olímpio Mourão Filho (que o desencadeou em 1º de abril de 1964, ao
descer com as tropas de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro), Ernesto Geisel, Augusto Rademaker e outros tantos.
A História, a mais recente, prova que a Anistia é sinônimo de impunidade e é uma garantia da Elite, inclusive a
Elite política que flerta com o Militarismo para se assegurar no Poder. Mas é acima de tudo um instrumento da Elite, como são as estórias contadas sobre estes períodos obscuros, violentos e nefastos.
A Elite produziu uma obra de arte sobre um membro da Elite, Rubens Paiva. Mas não verte uma linha, uma lágrima, uma
lembrança sobre Aberlardo Rausch de Alcântara, Abílio Clemente Filho, Adauto Freire da Costa, Aderbal Alvez Coqueiro, Adriano Fonseca Filho, Albertino José de Oliveira, Afonso Henrique Martins Saldanha, Alberto Aleixo, Alceni Maria Gomes da Silva, Alex de Paula Xavier Pereira, Alexander José Ibsen, Alexandre Vannucchi Leme, Alfeu de Alcânta Monteiro, Almir Custódio de Lima, Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, Älvaro de Sá Brito Souza Neto, Ana Maria
Kucinski e tantos outros que permanecem anônimos e esquecidos.
Anônimos e esquecidos das atrocidades que sofreram como Soledad Barret Viedma, da Vanguarda Popular Revolucionária ou VPR, grávida de 4 meses e traída pelo próprio marido, o Cabo Anselmo, um agente infiltrado nos movimentos populares, que foi morta no evento conhecido como Chacina da Chácara São Bento, em Paulista, Pernambuco, em 8 de janeiro de 1973.
Concluindo, a Anistia é um movimento da Elite, tenha ela a natureza que tiver porque o Poder é por ela exercido, e nesta quadra de nossa História temos a oportunidade, à qual precisamos nos agarrar com todas as nossas forças, para quebrar essa corrente Histórica.
Diga não à Anistia.

Regimes de exceção como são as ditaduras, inclusive as Militares, matam.

Marcos Fahur é advogado e ex-Procurador da prefeitura de Londrina

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