Orçamento Secreto: "“No máximo, 12%”
Da Revista Piauí
Na tarde de 13 de setembro de 2024, o empresário Carlos Douglas Almeida Leandro enviou um áudio via WhatsApp para Carlos Alberto Queiroz Pereira, o Bebeto, do PSB, então candidato a prefeito de Choró, pequeno município de 12,1 mil habitantes no sertão cearense. Na leitura dos investigadores, Leandro estava fazendo uma proposta nada republicana: desviar dinheiro oriundo de uma “emenda de comissão”, o novo nome do orçamento secreto, apadrinhada na surdina pelo deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo Lula na Câmara dos Deputados.
Segundo o empresário, parte do dinheiro da emenda iria “pro caixa” – uma provável referência a caixa dois. A proposta, disse o empresário, veio de “Ilomar”. Ilomar Vasconcelos, também do PSB, é o nome do vice-prefeito de Canindé, cidade próxima a Choró.
“Ei, o Ilomar ligou aqui oferecendo a emenda do Guimarães pra… justamente pro caixa. Aí… qual a tua proposta? Tanto tem a opção pra saúde como tem pra infraestrutura, pavimentação ou saneamento”, disse o empresário (ele foi preso no início de dezembro, acusado de participar de esquema de fraude na locação de veículos pela prefeitura de Pindoretama, também no Ceará). Em resposta, Bebeto enviou a seguinte mensagem de áudio: “Eu só quero saúde e amanhã a gente conversa sobre isso, cara. Veja quanto é que ele tem de saúde… pra inteirar. O Guimarães, tem que ter a reunião com o Guimarães”.
Na época dessa conversa, Júnior Mano era filiado ao PL, mas logo foi expulso do partido por apoiar o candidato do PT à prefeitura de Fortaleza, Evandro Leitão, em vez do bolsonarista André Fernandes. Segundo a PF, a relação entre Bebeto e Júnior Mano, “marcada por uma combinação de subordinação, cooperação e articulação política-financeira, estruturou um sistema de corrupção baseado no direcionamento de emendas parlamentares, uso de caixa dois e manipulação eleitoral estratégica”. Na investigação sobre o áudio, para além da citação ao “caixa”, a conversa envolvendo alguém que nem sequer era prefeito (mas apenas candidato) reforça a suspeita de desvio do dinheiro público.
Em junho, três meses antes da mensagem que citou “no máximo 12%” de desvio, uma emenda de 1,5 milhão de reais para o Fundo Municipal de Saúde de Choró havia sido aprovada pela Comissão de Saúde da Câmara, presidida pelo deputado Francisco de Assis de Oliveira Costa, o doutor Francisco, do PT do Piauí, mesmo partido de Guimarães.
Era uma das “emendas de comissão”, uma nova manobra do presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL) e dos líderes dos partidos no Congresso, incluindo Guimarães, para reavivar o famigerado orçamento secreto, suspenso pelo STF em 2023. O objetivo, mais uma vez, era ocultar os nomes dos deputados que apadrinhavam os bilhões em emendas (no caso de Choró era o deputado Guimarães, conforme atesta a investigação). O montante de 1,5 milhão de reais foi repassado integralmente para a prefeitura de Choró. Uma fatia de 12% desse montante equivale a 180 mil reais.