"53% das pessoas mortas por intervenção da PM não tinham condenação", diz Defensoria Pública

da Defensoria Pública do Paraná

O Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) aponta, em Nota Técnica publicada nesta segunda-feira (30/01), que 53% das pessoas mortas por intervenção policial militar no estado não tinham condenação criminal. A Nota Técnica NUPEP 003/2022 analisou uma amostragem de 302 mortes de pessoas no estado causadas por policiais militares no exercício da função em 2021. A Polícia Militar do Paraná (PM-PR) já havia apresentado ao NUPEP o número de 325 mortes causadas por intervenção de policiais, mas apenas uma amostragem de 302 casos foi analisada pelo Núcleo em razão da não identificação das 23 pessoas restantes, e porque as informações sobre os casos não foram encontradas no sistema Projudi, que reúne toda a documentação referente aos casos.

“É importante destacar que nós não estamos sugerindo que condenações ou meros registros criminais justificariam a ação letal por parte dos agentes de segurança. Pelo contrário. Decidimos analisar esse dado porque há uma narrativa corrente no Brasil que tenta naturalizar a grande quantidade de mortes por ação policial no país, o que é incompatível com um Estado Democrático de Direito”, afirmou a coordenadora do NUPEP, defensora pública Andreza Lima de Menezes, responsável pela Nota Técnica.

O estudo revela ainda que 38% das pessoas mortas por essas intervenções sequer tiveram algum contato com o sistema de justiça criminal ao longo da vida.

A Nota Técnica do NUPEP foi tema de uma reunião entre a Defensoria, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SESP) do Paraná e a PM-PR no dia 06 de dezembro de 2022, quando a coordenadora do NUPEP entregou pessoalmente uma versão impressa do documento à SESP e ao comando da PMPR. O objetivo do encontro foi discutir iniciativas que permitam aprimorar o controle da atividade policial e também garantir segurança jurídica aos atos da polícia, como o uso de câmera nos uniformes e viaturas dos agentes (leia mais abaixo). De acordo com a defensora pública, o objetivo da nota é apresentar propostas de aperfeiçoamento do controle externo da atividade policial e garantir que familiares das pessoas mortas nestas circunstâncias tenham maior acesso à Justiça.

“Trata-se de um alerta para que as forças de Segurança Pública possam atuar observando os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pela Organização das Nações Unidas em 1990. [A Nota] também é fundamental para que esses e essas profissionais conheçam e apliquem os requisitos e pressupostos legais da legítima defesa conforme prevê o Código Penal”, explicou.

Segundo o artigo 25 do Código Penal, a legítima defesa é caracterizada quando alguém, usando moderadamente dos meios necessários, reage a uma agressão injusta, “atual ou iminente”, contra um direito seu ou de outra pessoa. A legítima defesa é considerada uma excludente de ilicitude, ou seja, quem age em legítima defesa não comete crime.

Entre os problemas encontrados, segundo a defensora, está a investigação preliminar aberta, muitas vezes, exclusivamente pela PMPR, o que compromete as avaliações do Ministério Público do Paraná e da própria Justiça comum (não-militar) sobre os casos. De acordo com Menezes, convencionou-se, no Paraná, que a PM-PR realizará a investigação preliminar sobre casos de mortes causadas por intervenção policial. Porém, mesmo que o caso seja apurado de forma simultânea pela Polícia Civil do Paraná (PC-PR), o Código de Processo Penal Militar (CPPM) não prevê que a Polícia Militar realize investigação sobre crimes dolosos contra a vida.

“Tudo isso viola a competência constitucional do Tribunal do Júri, já que segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, crime doloso contra a vida de civil praticado por policial militar não é crime militar. Portanto, afirmar [que nesses casos está presente a figura da] excludente de ilicitude é decisão de mérito [é da competência da Justiça, já na fase da ação penal]. Por isso, propusemos na nota a inversão do fluxo. Primeiro a Polícia Civil e o Ministério Público investigam preliminarmente. Caso a Justiça Comum conclua pelo crime [de homicídio] culposo ou outro crime militar, o caso deverá ser remetido para a Vara da Auditoria da Justiça Militar”, sugeriu. Caso se entenda que é um crime doloso contra a vida, o caso é remetido ao Tribunal do Júri.

O fluxo atual contraria, de acordo com Menezes, a legislação brasileira, que estabelece a Polícia Civil e o Ministério Público como órgãos responsáveis pela condução destas investigações. Também contradiz o Código Penal Militar (CPM) e o CCPM. Na análise, também chamou atenção o fato de o policial oficial encarregado de coordenar os IPMs sempre pertencer à mesma unidade em que o investigado está lotado. A defensora explicou que não há nada no CPPM que exija isso.

“Além disso, o MPPR e a PC-PR não podem ter acesso às provas e informações apenas depois da conclusão do Inquérito Policial Militar, o que é um fato recorrente. Isso impossibilita uma apuração mais rigorosa dos fatos”, declarou.

Segundo a pesquisa do NUPEP, 157  mortes foram investigadas simultaneamente pelas Polícias Civil e Militar. Em 14 casos, foram abertos somente inquéritos policiais militares. Em 123, foram encontrados apenas inquéritos policiais da PC, e nos oito casos restantes, não foram localizados dados que permitissem afirmar se foi ou não aberta investigação. Por  fim, de todo o universo amostral de mais de 300 casos analisados, em apenas três casos as ações dos policiais foram objeto de uma ação penal na Justiça.

Alto índice do uso da força letal 

A Nota Técnica também cita exemplos de casos que chamaram a atenção do NUPEP em razão da quantidade de tiros desferidos contra os suspeitos. A pesquisa apontou, ao menos, 20 casos “com evidente excesso do uso da força letal”. Entre os fatos registrados pelo Núcleo está um caso em que cinco policiais militares realizaram 96 disparos contra três pessoas. “(…) sendo disparados, respectivamente, cerca de 29 tiros por um dos agentes, 15 tiros pelo segundo, 20 pelo terceiro, 17 pelo quarto e 15 pelo quinto policial”, descreve o texto da Nota.

Em outra situação, os policiais militares dispararam 58 tiros contra dois suspeitos. De acordo com o texto, um dos indivíduos foi alvejado com três tiros na cabeça.

Abordagem de pessoas em sofrimento mental 

Entre as sugestões trazidas pela Nota para aprimorar o controle da atividade policial está a necessidade de investimento na capacitação permanente e obrigatória sobre a abordagem policial de pessoas em sofrimento mental. Na análise, foi descrito um caso em que os policiais usaram força letal contra um rapaz em sofrimento mental conhecido da população do local onde ocorreu o fato. O homem agrediu fisicamente os policiais com um pedaço de madeira.

A legislação preconiza que o uso imediato de força para conter um suspeito que se mostre agressivo deve ser proporcional ao estritamente necessário para conter a violência. No entanto, os policiais dispararam diversas vezes contra o rapaz. O caso foi arquivado sob alegação de legítima defesa e o uso excessivo da força também não foi considerado.

Câmeras corporais na PMPR

Em abril do ano passado, as instituições do sistema de Justiça, entre elas a DPE-PR, entregaram uma carta ao Governador do Estado, Carlos Massa Ratinho Junior, com um pedido para que seja implementado um sistema de gravação de áudio e vídeo nas fardas e nas viaturas dos agentes de segurança pública do Paraná. A recomendação foi acompanhada de outra sugestão: que os agentes de segurança passem por um curso obrigatório sobre Direitos Humanos. Além da Defensoria, assinam a carta o Ministério Público do Paraná (MP-PR), o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), a seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) e também a Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A elaboração e publicação da Nota Técnica, inclusive com a entrega de uma cópia à SESP e ao comando da PM, é um desdobramento dessas ações que visam a contribuir para o aprimoramento do controle externo da atividade policial. Para Andreza Menezes, as sugestões de aprimoramento devem estar respaldadas em dados e em uma rigorosa pesquisa, e devem ser compartilhadas com as polícias, com o governo do estado, com o sistema de justiça e com a sociedade, de forma a gerar mudanças efetivas e dialogadas.

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Um comentário

  1. Genildo

    Se eu entendi direito 53% não tinham condenação, logo 47% eram condenadas, ou seja, a cada 100 óbitos em confrontos armados 53 envolvidos que foram a óbito não tinham condenação criminal e 47 tinham já condenação criminal.
    O que essas 47 pessoas, já devidamente apenadas, estavam fazendo na rua? Por qual motivo não estavam cumprindo pena em estabelecimentos penais? Estavam em liberdade condicional e voltaram ao cometimento de crimes? Essas outras 53 pessoas que não tinham condenação já haviam sido presas anteriormente? Por quais crimes? Quantas vezes foram postas em liberdade após audiência de custódia e voltaram as ruas para o cometimento de novos crimes? Por qual motivo não foram julgadas?
    Vejo esse levantamento bem superficial, com dados complementares importantes, mas ausentes. Diria quase tendencioso.

  2. Pastor Pedro

    Não é à toa que o Paraná deu votação absurda para Bolsonaro, Ratinho e Moro. Direitos humanos para esses bolsonaristas não passam de duas palavras inúteis e que bandido bom é bandido morto. O Paraná está preso no tempo da barbárie, na pré-história da civilização. Se no Brasil não há pena de morte, no Paraná ela existe e é executada pela própria polícia em inúmeros casos, que deveriam ter apuração rigorosa pela justiça.

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